Rodrigo Simas ao final da sua encenação fala: "agora estou pronto!"
E pergunto: e será que nós estamos prontos para escrever sobre "Prazer, Hamlet"?
Costumo dizer que, quando assistimos aos espetáculo, nos transformamos em pássaros numa gaiola, e somente alçamos voos quando expomos aquilo que tocou a nossa alma, através da escrita. Uma sensação de levar para a sociedade as boas novas.
Quantas montagens são executadas de Hamlet? Inúmeras, sendo que, em minha memória, Patrícia Selonk, da Cia Armazém, ainda atinge o ápice dessa dramaturgia. Jamais imaginaria que eu, mais uma vez, sairia do teatro em êxtase com essa dramaturgia shakespeariana. E não mencionar a atriz faz-me sentir ingrata, muito injusta.
No segundo sábado de março de dois mil e vinte e três, me vi completamente entregue ao espetáculo "Prazer, Hamlet"! Confesso que não sei por onde começar, estive diante de uma ficha técnica divina, profissionais que não pecaram, não cometeram um deslize, não há um apontamento que desmereça o delírio dos amantes do teatro. Por mais que se procure uma falha, impossível enxergar! Esses homens das artes cênicas vieram focados nas técnicas teatrais, nos delírios da teatralidade.
Crítica açucarada? Não! Reconhecimento daqueles que sabem e amam o que fazem, levando a plateia ao elevado prazer que se procura quando saímos de casa para assistir uma boa peça. E resposta desse sucesso de crítica e público apenas carimbam tudo que este espetáculo trouxe aos nossos olhos.
Ciro Barcelos, o dramaturgo. Elegância define o ele que desejou levar aos ouvidos da sociedade. Com sutileza, aborda temas que defende e nos faz compreender o que sangra em seus fios de pensamentos. Leviano? Não, pode-se dizer habilidoso em suas escritas. Um texto para a história do teatro brasileiro.
Ciro também assume a direção, e o que falar? A palavra certa: maturidade cênica!
Um ator que questiona seu personagem, uma realidade que somente quem atua sabe. Quantos questionamentos são levantados, quantas acusações, quantas interpretações individuais são levantadas enquanto se ensaia, se monta a peça. Uma sagacidade ímpar do dramaturgo!
André Perine, assina a direção musical, ele é o cara! Sou fã do rock. Claro que um Hamlet "subversivo" aos olhos de muitos combina perfeitamente com o estilo musical. André e Rodrigo parecem que se encontraram na estrada das artes cênicas, ambos entenderam o que a obra precisava. André enfeitiçou o artista, como o Flautista de Hamelin. Na verdade, não só o artista, como também a plateia. Rodrigo abraçou o personagem hardcore, que abraçou Ciro, que abraçou André Perine. O bolo cresceu com toda maciez e beleza, sem fermento a mais ou a menos, deformando o que foi entregue no Teatro Gláucio Gil. Não só isso: a sonoplastia funciona durante toda obra, e a faz mais uma vez crescer.
Claudio Tovar assume o cenário, figurino e adereços. Tovar é um gênio, um mestre para todos os profissionais que atuam nessa rubrica. Tovar tem consciência do belo e também da sustentabilidade, coerente e necessária. A criatividade do Cláudio é um bálsamo aos olhos dos que assistem ao espetáculo. Ele foi absoluto, aliás, ele é absoluto! Ele é o que realmente precisamos atualmente. Tovar é necessário para o mundo e em "Prazer, Hamlet", traz a beleza cuidando do universo! Perfeito em cores e sagaz nos objetos de cena que não falam, mas gritam Shakespeare!
Não só fala dos cuidados do meio ambiente, mas atua a favor dele, sem a hipocrisia da maioria o defendem, um senhor mestre!
O desenho de luz do Caetano Vilela arrebata o público, principalmente quando Hamlet duela com Laertes, uma cena que, através da iluminação, o som das espadas e o figurino, faz-se inesquecível. Que loucura mais extasiante do Caetano!
Rodrigo, o Simas, o Hamlet! Ao entrarmos no teatro, estava ele como um primata, se agachando, se contorcendo, se entregando ao trabalho do Ciro, Perine, Caetano, Tovar, e todos que acreditaram nesse projeto, e também entregando-se a Shakespeare!
Segundo depoimentos, quinze dias antes da estreia, o idealizador tentou desistir, mas foi levado pelos colegas a seguir. Colegas esses que estão vestidos da couraça, da coragem e da fé, porque acreditar no teatro atualmente é um ato de fé mesmo.
Mas, pelo que vejo, os deuses do teatro honram os que creem. No último Prêmio Shell, a maior premiação do teatro brasileiro, o ator Clay Nascimento chegou à sua estatueta com uma história parecida, de dificuldades. Vejo que “Prazer, Hamlet!” não seguirá passos diferentes, será abençoado. Impossível ser diferente!
Rodrigo chegou a ensaiar quase dez horas por dia. Logo, entende-se porque ele assina seu nome à caneta de ouro nesse momento em sua carreira. NO PAIN, NO GAME!
Não estou falando de um artista que acabou de sair de uma escola de teatro, que deveria mergulhar profundamente em uma oportunidade dada. Falo do Rodrigo Simas, já reconhecido, um artista com seu legado de fãs, com uma carreira bem estabelecida. Agora entendo o porquê do sucesso dele.
Rodrigo dá um show, através do olhar, do sorriso, dos movimentos, dos deboches, uma execução inebriante. Um entrega visceral. Deu a receita para os artistas que estão começando, os que estão desanimados, aos que estão mornos. O artista simplesmente nos tira da cadeira da comodidade, nos levantando, nos fazendo acreditar em absolutamente tudo.
Ele e o personagem parecem duelar o tempo inteiro. Mas, na verdade, se amaram com fúria, na crença que dariam reciprocamente o melhor de si.
Falar da beleza do artista é um desrespeito diante do seu feito no palco do Teatro Glaucio Gil. Simas simplesmente entrega ao público o melhor do teatro!
Sinopse
“Prazer Hamlet” explora os medos, os questionamentos e os fantasmas internos desse ator que se vê obsediado por Hamlixo, que o incita numa escavação pelos labirintos da hipocrisia social e do coração do Príncipe Hamlet, levando-o a uma questão jamais abordada nas inúmeras montagens teatrais da obra: quem o príncipe amou, afinal?
Ficha Técnica
Encenação: Rodrigo Simas
Texto e Direção: Ciro Barcelos
Cenário, figurino e adereços: Claudio Tovar
Direção Musical: André Perine
Desenho de Luz: Caetano Vilela
Preparação Vocal: Glaucia Verena
Produção e Realização: Foco3 Produções Artísticas
Serviço
Datas: 08 e 09 de abril
Sa?b: e Dom: 20h
Ingresso: R$ 60,00
Teatro Glaucio Gill – Prac?a Cardeal Arcoverde, s/n, Copacabana, CEP 22040-030, RJ Telefone da bilheteria: (21) 2332-7904
Durac?a?o: 75min
Classificac?a?o: 16 anos