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"Longa Jornada Noite Adentro": como mostrar sutileza e elegância num palco teatral

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 16/05/2023 às 12:53:41

A elegância é a maior característica deste espetáculo. Absolutamente tudo é carregado de sutileza. Das cores a cachimônia interpretativa dos artistas.

Ao entrar no teatro, o cenário chama a atenção, já evidenciando o bom gosto da montagem "Longa Jornada Noite Adentro".

São Paulo pousou no Rio de Janeiro, convidando os cariocas a entenderem porque estão ocupando nossos palcos.

De um lado, Clay Nascimento nos deixou sem fôlego com o espetáculo "Macacos", no Teatro Ipanema e, do outro, "Longa Jornada", tão sedutor quanto, no Teatro Prudential.

Quase duas horas de espetáculo que seduzem do início ao fim.

Quando os artistas entram no palco, o espectador fica impactado com os figurinos, porque são de excelência. Pode-se dizer que são lindíssimos. Tudo em um tom pastel, nada dissonantes, parecem casar com a iluminação e cenário, de uma riqueza esplêndida.

Os figurinos finais da atriz protagonista nos arrebata, nos dá a sensação de estarmos num livro de época. Detalhe: todos os figurinos são bem idealizados. Que criação, que padronagem utilizada! A beleza vem ao encontros dos nossos olhos sem piedade, sem mesura. Fabio Namatame é responsável por trazer tanta graça através das indumentárias.

A iluminação do espetáculo é igualmente bem acolhida. Luz, contra luz, tudo te leva a entrar nos sentimentos dos personagens. A luz parece entoar som, pois tem um desenho que, como a sonoplastia, te fazem sentir. Pontos de iluminação nas varas cênicas, em torres no palco, em forma de cenário, mediante lustres da época. A iluminação desnuda a obra e fala ao público, mesmo sem ruídos. Penso que, em minha memória, jamais irei esquecer a iluminação desse espetáculo, principalmente a última cena, que resplandece a personagem Mary. Uma porrada visual ou, como dizem: uma estética visual perfeita! Aline Santini é a talentosa iluminadora, palmas e mais palmas para ela!

O cenário é coeso, está acordado com o texto. Uma família cheia de percalços, perdida, tentando encontrar soluções para os problemas que a cerca, nada mais perfeito que móveis remendados, uma sensação de esparadrapos que os envolviam, justamente quando os problemas resumem-se em má saúde. Mais que isso, se no texto, a história acontece durante 1912, os móveis corresponderam e trouxeram mais verdade, mediante madeiras talhadas, conforme a época vivida pelos personagens. A cor dos móveis foi de uma eloquência tremenda. Se tenho um figurino em tons pasteis, suavizados, por que dar tons fortes aos móveis? E o branco irradia uma não pluralidade de cores, destoando de um todo. Tudo muito suave, e, ao mesmo tempo, marcante. Foi André Cortez que absorveu tudo e pôs a sua prática teatral em um cenário magnífico.

Esta obra tinha sido assistida pelo colega Gilberto Bartholo em São Paulo. Ele chegou afirmando ter visto uma obra impactante. Eu fiquei como? Torcendo para que eles chegassem por aqui! E quando "Longa Jornada" apareceu em meu feed, já sabia que não poderia deixar de assistir. Mais uma vez, o colegou acertou!

Raramente faço menção em totalidade a um diretor, mas diante de alguns espetáculos assistidos de Sérgio Módena, posso afirmar que tudo nesta montagem tem o perfil dele. Esse diretor é suntuoso, gosta de orquestrar grandes sinfonias e não tem receios de trazer Mozart ou Beethoven…

Para Módena, os desafios, são apenas desafios.

Geralmente os espetáculos são idealizados por um alguém, que convida um dramaturgo e depois um diretor para dar vida aquele papel. Mas, nesse caso, temos aí a Idealização, tradução e direção do senhor SERGIO MÓDENA. Como poderia dar errado?

Impossível eu não imaginar como ele concebeu a ideia e sonhou com cada detalhe. Quando vemos um profissional assinando essas três rubricas, fato que o projeto passa a ser um relicário. E tratando-se de quem for o projeto, claro que a beleza nasce e prolífera assertividades. Fato!

O olhar de águia do diretor juntou uma equipe técnica irradiante!

Marco França é um deles. Trouxe música de ótimo gosto, essas que nos inundam de emoções, belíssimas, com escalas de notas sem arranhões.

Vamos ao elenco? Afinal, nada seria possível sem eles!

ANA LUCIA TORRE é a mãe, Tyrone. Ana vem deslumbrante aos nossos olhos, vive uma mãe com seus problemas, vícios, isso fica em evidência desde o início do espetáculo. Porque Ana Lucia não nos poupa de sua grandiosa atuação, não foi em vão que a indicação ao Prêmio Shell chegou. Ana nos carrega com ela e nos permite assistir uma das obras que não sairão de nossas cabeças. Sua voz, suas expressões faciais e corporais são inatingíveis pelo erro. É uma delícia assistir os devaneios da sua personagem, ainda mais quando Ana, através da dela, fala sobre o teatro, uma nota de deboche muito bem entoada. Digna mesmo da tal indicação. Inclusive, penso que, no mínimo, deveria ter havido um empate...

LUCIANO CHIROLLI é o marido de Mary. Pode-se dizer que o diretor foi cirúrgico quanto aos pontos que fecham sua cisão. A costura é muito bem feita. Os artistas se complementam, são excelentes, não há desnível entre eles. Luciano entra e sai bem do espetáculo, nos rendemos a ele tranquilamente. A voz do artista é bem potente e segue perfeitamente no espetáculo. A verdade é que temi quanto à forma de microfonação. Geralmente aguardamos a lapela. No entanto, ao microfonar o palco, foram exímios, pois o som chegou perfeitamente.

GUSTAVO WABNER é um dos filhos do casal. Ele chega bem na obra. Inegável é falar da beleza do artista, isso poderia até auxiliar se a obra não fosse o que é. Um drama desse tamanho precisa de artistas à altura. Quando meus olhos bateram nele, eu senti-me no cinema. Um galã à minha frente! Mas estamos falando da obra "Longa Jornada Noite Adentro" e ele nos apresentou o "rebelde sem causa", ou a "ovelha negra da família". Parece também se limitar, sempre com equilíbrio necessário, não transgride. O mais interessante é que soube dosar, não atropelou o personagem do seu irmão Edmundo Tyrone. Gosto de ver isso no palco, essa troca de gentilezas.

BRUNO SIGRIST faz um dos personagens que atravessa um problema de saúde que atordoa a família. De face a um diagnóstico de tuberculose, doença que na época matava muito. Entre 1850 e 1950, um bilhão de pessoas morreram de tuberculose. E mais um problema se instala na família.

O ator atua mediante a tosses, com uma narrativa bela. No personagem há poesia, encanto. Essa última é a palavra certa!

MARIANA ROSA trabalha na casa dos Tyrones. Ela chamou muito a minha atenção. Uma atriz jovem, que trouxe ao palco um tom de voz diferente, algo meio xucro, uma mulher grosseira, algo meio faroeste. Incrível. Mariana não atua com frequência durante o espetáculo, mas as vezes em que encena é simplesmente maravilhosa. Uma personagem rude e divertida. Ela tem talento de sobra!

A obra fala sobre uma família que atravessa problemas. Quando esse atravessamento está relacionado à saúde, tudo fica desconfortável demais, tudo dolorido demais. E os artistas pareciam entenderem, de certa forma, aqueles problemas. Uma família se despedaça diante dos problemas, é normal que nem todos consigam administrar a razão diante da emoção conturbada. E ficamos boquiabertos ao sabermos que aquilo tudo aconteceu na vida de um imenso dramaturgo.

É considerada uma das maiores obras norte-americanas, premiadíssima, talvez por carregar tanta verdade, talvez por entendermos o quanto esperamos da família. Não há uma explicação, mas entende-se que Eugene O’Neill teve problemas em seus relacionamentos até o fim de sua vida. Um homem cuja inteligência e capacitação para a escrita era nítida, mas que, em suas relações, nada dava certo. E fica a pergunta: como alguém que constrói um texto como esse, que se colocava no lugar do outro - porque isso é necessário para escrever - não soube viver relações?

Mas esse não foi o único dramaturgo a ter esse tipo de comportamento. O literário Kafka dizia: “eu preciso da solidão para a minha escrita; não como a de um ermitão — isso não seria o suficiente — mas como a de um homem morto.”

São gênios que, talvez, o universo não os entenda nunca.

Aqui no Brasil, Eugene influenciou Nelson Rodrigues e Abdias Nascimento, mas não soube influenciar aqueles que estavam próximos. Isso é Incrível!

Foi um dos meus maiores feitos assistir "Longa Jornada Noite Adentro", por Eugene, por Módena, por Ana, por Mariana, por Bruno, por Gustavo, por Luciano, por Mariana, por aquele que apagou a mesa de luz ao fechar o teatro. Eles me fizeram valer a pena!

SINOPSE

"Longa Jornada Noite Adentro" é uma das peças mais conhecidas de O’Neill. É um drama autobiográfico que o dramaturgo só permitiu que fosse publicado e encenado após sua morte. Focaliza um dia da família Tyrone, os pais e dois filhos, em que as personagens se encontram e deixam vir à tona suas fraquezas, ressentimentos e frustrações.

FICHA TÉCNICA

Texto: EUGENE O´NEILL

Idealização, Tradução e Direção: SERGIO MÓDENA

Música Original: MARCO FRANÇA

ELENCO:

ANA LUCIA TORRE - Mary Tyrone

LUCIANO CHIROLLI – James Tyrone

GUSTAVO WABNER – Jamie Tyrone

BRUNO SIGRIST – Edmund Tyrone

MARIANA ROSA- Cathleen

Cenário ANDRE CORTEZ

Figurino FÁBIO NAMATAME

Iluminação ALINE SANTINI

Diretor Assistente LURRYAN NASCIMENTO

Assistente de Cenário MARISTELLA PINHEIRO

Visagista DHIEGO DURSO

Cenotécnico TIBÚRCIO PRODUÇÕES

Coordenação Administrativa DANI ANGELOTTI

Assistência Administrativa ALCENÍ BRAZ

Assistente de Produção REBECCA MOMO

Administradoras da temporada MAGALI MORENTE e ALCENÍ BRAZ

Produção Executiva MARTHA LOZANO

Produtoras SELMA MORENTE e CÉLIA FORTE

Uma produção Morente Forte

Realização Ministério da Cultura

SERVIÇO

Longa Jornada Noite Adentro

Temporada: Até 28 de maio

Teatro PRUDENTIAL (Rua do Russel, 804 — Glória)

Sexta e sábado: 20h / Domingo: 17h

Ingressos pela Sympla

Duração: 110 minutos

Classificação: 14 anos

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