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"A Cerimônia do Adeus": trabalho divinal para ficar em estado de levitação

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 06/07/2023 às 10:10:50

Quando deixamos nossas casas para assistirmos uma obra teatral, não existe maior recompensa para nós, espectadores, que sair do espetáculo com a cabeça nas nuvens, em êxtase consigo mesmo, dizendo que valeu a pena ter ido ao teatro.

Esse é o caso da peça “A Cerimônia do Adeus”. Pode-se dizer que ficamos em estado de levitação, exatamente por isso, agradeço aos artistas, aos seus esforços, para nos presentearmos com esse trabalho, que julgo divinal ou mesmo celestial!

O espetáculo está no suntuoso teatro do Copacabana Palace. Mas, cá entre nós, essa obra poderia estar em qualquer outro espaço, que teria a mesma potência, pela beleza da montagem. Também por toda sua história. Estamos falando de um clássico do teatro brasileiro e isso basta.

Mas, como sabemos, o Copacabana Palace completou cem anos e escolheram receber seus espectadores em alto estilo, já que “A Cerimônia do Adeus” pertence a um dos maiores dramaturgos do nosso teatro. E que sigam as comemorações…

O texto é do premiadíssimo Mauro Rasi. Além de ser atemporal, é majestoso, inteligentíssimo, contagiante, um passeio pela história do mundo, uma verdadeira revolução literária! Mesmo sendo o texto de 1987, a sensação é que foi escrito ontem, tamanha expertise do autor.

“Rasi deixou um conjunto impressionante de peças. 'A Cerimônia do Adeus' tem um recurso brilhante e original de dramaturgia”, diz Barbara Heliodora no livro "A História do Teatro no Rio de Janeiro".

Sérgio Mamberti, que interpretou Vado, o pai de Rasi em 'Pérola'', conheceu o dramaturgo durante a encenação de 'Caos Morto'' num festival de teatro amador de Campinas. "Eu tinha 23 anos e ele era uma criança. Quando vi a peça, percebi que seria um gênio'', diz Mamberti.

Assistam ao espetáculo para entenderem porque ambos são mais certos do que o frio do inverno de Moscou!

A primeira montagem foi aqui no Rio de Janeiro, no Teatro dos 4, com um elenco belíssimo e muitíssimo premiado. Eram eles: Yara Amaral, Nathalia Timberg, Flávio Antonio, Felipe Martins, Monah Delacy, Marcos Frota e Sergio Britto.

Sucesso de crítica e público na época. Pelo visto, hoje também.

Quando uma dramaturgia é posta em mãos de artistas de excelência, todos ganham, inclusive o espectador, o qual é o maior sentido de uma montagem. Sem plateia e sem artista, é impossível fazer teatro.

Já fiquei impactada com muitos cenários, e não foi o caso dessa montagem. Muito pelo contrário, em nada me chamou atenção ao entrar no teatro e ver umas portas nas laterais do palco. Mas quando o espetáculo começa, você passa a entender a concepção artística do cenógrafo, que teve uma criatividade além do que se espera do espectador. As portas servem de entrada e saída dos personagens, dando a verdadeira impressão que saem e entram dos cômodos de uma casa. Essas portas ajudam no dinamismo da peça, que mesmo diante de cem minutos de espetáculo, não sentimos passar, ficamos com vontade de mais!

Ao fundo da caixa cênica tem um telão que acolhe projeções de momentos históricos do mundo, que estão nas narrativas dos atores.

Acredito que os objetos de cena também tenham sido levados pelo profissional. Eu jamais vou esquecer os momentos em que uma das atrizes entrava e saía pelas portas com um prato nas mãos, e dele exalava fumaça. Essas cenas são simetricamente alinhadas ao desenho de luz, resultando em ocupação até mesmo do ar. Fantástico!

O cenário e o figurino são assinados por Ulysses Cruz, que mais uma vez mostrou que não precisava ostentar tanto. Com cores sóbrias trouxe ao espetáculo o tom certo. A indumentária da personagem Simone Beauvoir me deixou em dúvida. Confesso que não sei dizer se houve um cuidado maior com o figurino dela, se foi o movimento corporal da atriz que chamou muitíssimo minha atenção ou se foi mesmo minha admiração como mulher pela escritora, intelectual, filósofa existencialista, ativista política e feminista Simone Beauvoir.

André Abujamra é o responsável pela trilha sonora. Eu gostaria de saber o que ele usou, como chegou ao nirvana ou qual o espírito que o guiou para compor uma trilha tão perfeita quanto essa. Em uma das cenas, quando a mãe do protagonista conversa com Simone Beauvoir, ele trouxe a sonoplastia certa, uma engenharia pouco utilizada no teatro, recursos inimagináveis brotaram do artista!

Embora ele tenha usado sonoplastia bem contemporânea, ouvimos a obra musical francesa de um único movimento, Bolero de Ravel…

A trilha sonora proporciona gozos auditivos…

A iluminação de Nicolas Caratori é um vislumbramento à parte. Não serve só para iluminar cenário e artistas, mas também para trazer efeitos, e junto ao som, ficamos acordados, atentos. A iluminação se movimenta através dos movies que estão posicionados estrategicamente. Perfeição que se chama? SIM!

A direção artística de Ulysses Cruz não precisa ser mencionada, porque se há sucesso de crítica dos maiores veículos de comunicação do Brasil, obviamente que isso deve-se a ele.

A peça volta à cena 34 anos depois pela mesma direção, pelas mãos de Ulysses Cruz, que dirigiu a peça pela primeira vez em 1989, com Nathália Timberg, Fernando Peixoto, Laura Cardoso e Marcos Frota, entre outros.

Penso que não existe outro diretor para dar vida a essa obra, já que infelizmente o dono dela nos deixou, precocemente. Rasi ainda tinha muito a contribuir com o teatro brasileiro!

Existe um porquê de um texto teatral ou roteiro cinematográfico, e se o artista tem à oportunidade de dialogar com o dramaturgo, que o faça, porque existem muitos motivos que sangram um autor. Quanto mais perto desse entendimento o artista chegar, mais completa essa montagem será.

Fato que outros diretores poderiam dirigir essa obra. Obviamente, lá no futuro, isso acontecerá, mas nesse momento, Ulysses foi quem esteve próximo ao Mauro. As discussões e entendimentos estão na memória afetiva deste diretor, portanto ninguém está mais apto para esta remontagem que ele!

A direção de movimento também foi um bálsamo de concepções artísticas diferenciadas. Pai do céu, o que foi aquilo? O trabalho de Leonardo Bertholini não tem arranhões, principalmente quando Simone Beauvoir entra, com uma beleza imensurável. Em tudo se nota movimentos de corpos bem pensados, isso fica clarividente.

Sempre que falo dos artistas os menciono um por um. Mas, dessa vez, vou mencioná-los de acordo com as cenas a que assisti, tamanha beleza cênica que vi. Todos eles estão perfeitos em seus papéis, nos alimentam do teatro vivo, são tão assertivos e competentes que faltam palavras, essa é a verdade!

Lucas Lentini é o protagonista do espetáculo. Como o escritor Kafka, se entrega à literatura e devaneia aos olhos da sua mãe. Com amigos imaginários, como Simone Beauvoir e Sartre, ele dialoga com ambos durante o espetáculo. Ele consagrou seu corpo como sacrifício aos deuses do teatro, porque atua com beleza. O artista traz ao palco exatamente o que Mauro Rasi (dramaturgo) descreveu sobre ele mesmo naquele momento da sua vida. Descobertas da sexualidade, liberdade, política, tudo com um tom refinado. O artista é apurado!

Não tem como esquecer como ele trata Sartre (amigo imaginário), como ele desfaz do filósofo, escritor e crítico francês, quando o manda ir com o amigo.

Sartre é interpretado pelo artista Eucir de Souza, que não dispensou movimentos mais ponderados. Com seu cachimbo, ele segue com seu personagem muito bem contido. Movimentos adequados, nada que nos fizessem desconhecer Sartre.

Eu não conhecia Malu Galli, e agora virei fã. Ela atua como a mãe do protagonista. Claro que reluta quanto à escolha de vida do filho. Uma dona de casa que vive cuidando de um marido acamado. A atriz atua com comicidade e faz com que a plateia delire com suas notas risíveis. Um dos momentos mais belos é quando a personagem passa a entender os conceitos de Beauvoir, é um momento tão belo... São detalhes de cena que constroem sua mudança. Ela se apresenta com outro figurino, mais colorido, como se a vida estivesse dando a ela outra oportunidade.

Afinal, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.

A cena emociona muito, principalmente as mulheres que entendem dessa transição da personagem!

A atriz é uma bomba cênica, chama a atenção com seus movimentos, expressões faciais, um verdadeiro farol!

Uma observação: quando a atriz se refere ao nome do autor Nietzsche, quase nos mata de rir!

Incrível a atuação da Fernanda!

Beth Goulart está tão intensa, tão bela, que tive a sensação que os pais da atriz estavam ali, ao menos na noite em que fui assistir. Eles estavam de cochichos e diziam, com sorrisos nos olhos, que brilhavam: ela está divina!

Ela encarna Simone com movimentos belíssimos. Como Simone, Beth está firme, dona da sua personagem, atenta aos detalhes dos diretores.

A tia do protagonista, Fernanda Viacava, luta contra o câncer. Com muita sutileza, nas cenas seguintes, ela aparece com uma peruca, nos fazendo entender seu enfrentamento, um efeito muitíssimo bem acolhido, costurando a dramaturgia com louvor. Ela e a irmã, em uma das cenas, também levam a comicidade ao palco. Mas sem apelação, são realmente boas no que fazem.

O seu filho, Rafael de Bona, é o primo do protagonista, um rapaz que parece atuar na extrema-direita (que tenho horror) e atua muitíssimo bem! Tipo um canalha nojento que, infelizmente, ainda circula por aí. Penso que o ator estudou bastante durante os últimos quatro anos, não faltaram exemplos para que ele construísse seu personagem!

Fernando Moscardi é o vizinho e amigo do protagonista. Encena como um jovem e ele o faz bem, pois através dele pode-se entender as transformações do protagonista.

Uma obra elegante, intelectualizada, que faz referências políticas durante todo o tempo. Há referência ao fascismo que, em uma determinada época, pareceu dominar o mundo. Assim nomes como Anne Frank e García Lorca são mencionados. Uma excelente aula de história do mundo, que desemboca também na nossa infeliz ditadura.

Um texto brasileiro, que merece ser relembrado sempre.

Segundo João Pontes, que foi assessor de Mauro, o espetáculo está do jeito que o dramaturgo gostaria que fosse!

E, pelo que assisti, não tenho dúvidas das palavras de João.

Só torço para que o público carioca não perca essa oportunidade de ouro: de assistir uma obra madura e de altíssima qualidade.

A cena final é um escândalo. Acredito que vai demorar um pouco para que eu tenha a mesma sensação que tive nesse momento em um teatro. Sei lá, quem sabe ela não aconteceu, eu que deveria estar sonhando de olhos abertos…

Essa obra merece ser exportada para mostrar ao mundo o teatro brasileiro, a força que temos nos palcos cênicos, dizer que não somos analfabetos mundiais, externar nossa grandeza. Fazer com que vejam que não só estamos aptos para receber espetáculos da Broadway, mas exportar também. Que temos a sensibilidade, poesia e textos demasiadamente bons a serem apresentados em qualquer canto do mundo.

Fazer lembrar que o novo mundo agora não é mais o mesmo que apresentaram ao monarca francês Henrique II e à regente Catarina Médicis. Muito pelo contrário, conhecemos suas histórias e delas fazemos teatro de embasbacar qualquer amante da arte cênica.

Vou deixar que o leitor vá assistir e me conte se eu sonhei ou se realmente a beleza resolveu sorrir para nós dentro do teatro Copacabana Palace.

De resto, vamos todos nos encontrar no Montparnasse (Caju ou São João Batista). No meu caso, nem que seja uma breve viagem do outro lado para tomar um vinho francês com a madame Simone. Afinal, como mulher, adoraria agradecê-la pelas portas que el abriu para que eu pudesse estar aqui, escrevendo.

Sinopse

Refugiado em seu quarto, o jovem e revolucionário Juliano dá vida às suas duas maiores referências literárias: os existencialistas Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Através de uma relação quase obsessiva com ambos, ele busca enfrentar os desafios da despedida da adolescência, principalmente, no que diz respeito à relação conturbada com a sua mãe e o feminino e às dificuldades da convivência com a família e amigos. Além disso, a obra trata do desejo de romper com o provincianismo da cidade onde vive, do desabrochar artístico em meio a um período político hostil e da experimentação da própria sexualidade.

Ficha Técnica

Texto: Mauro Rasi

Direção: Ulysses Cruz

Elenco:

Lucas Lentini

Malu Galli

Fernanda Viacava

Rafael de Bona

Fernando Moscardi

Beth Goulart como Simone de Beauvoir

Eucir de Souza como Jean-Paul Sartre

Diretor de movimento e diretor assistente: Leonardo Bertholini

Trilha sonora original: André Abujamra

Iluminação: Nicolas Caratori

Cenário e figurino: Ulysses Cruz

Design sonoro: Tocko Michelazzo

Direção de cena: Denis Sabatelly

Direção de produção: Evelyne Lessa

Direção financeira e executiva: Thiago de Los Reyes

Produção executiva: Camila Bevilaqua

Assistente produção executiva: Fernando Aydos

Assistente de produção: Luma Litaiff

Idealização: Lucas Lentini, Ulysses Cruz Arte e Entretenimento e FLO Arts

Produtoras associadas: LC Produções e Ulysses Cruz Arte e Entretenimento

Realização: Teatro Copacabana Palace e LC Produções

Serviço

‘A cerimônia do adeus’

Até 23 de julho de 2023

Quintas, sextas e sábados, às 20h

Domingos e feriado, às 18h

Local: Teatro Copacabana Palace

Ingressos:

QUINTA

Platéia:

140 inteira/ 70 meia

Balcão:

100 inteira/ 50 meia

SEXTA, SÁBADO E DOMINGO

Platéia:

160 inteira/ 80 meia

Balcão:

140 inteira/ 70 meia

Ingressos disponíveis para venda no SYMPLA

Classificação etária: não recomendado para menores de 16 anos.

Duração: 100 minutos






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