O excesso de detergentes na água captada obrigou a CEDAE a interromper a operação na Estação de Tratamento do Guandu, que responde pelo fornecimento a oito milhões e meio de moradores da capital, da Baixada Fluminense e da maior parte do Sul do Etado do Rio. A informação da interrupção circulava entre os trabalhadores desde meados da tarde desta segunda-feira, e foi confirmada em nota oficial da concessionária de água e esgoto pouco depois das 17 horas. O documento informa o fechamento das comportas do canal principal da estação, promete o monitoramento da estação até que a situação esteja normalizada. A nota não faz referência a um prazo para essa normalização, nem detalha os impactos sobre a qualidade da água. Desde o início do ano, moradores de bairros correspondentes a 30% da população, principalmente na Zona Norte e na Zona Oeste, vem relatando cor, odor e sabor estranhos na água que sai das torneiras. A companhia atribuiu o problema a geosmina, substância produzida por algas, que por sua vez se nutrem de material orgânico em decomposição, como esgoto doméstico.
Na nota distribuída pela assessoria de imprensa a Cedae relata ter informado o Instituto Estadual do Ambiente e a Agência Estadual Reguladora de Energia e Saneamento (Agenersa). O documento atribui a concentração elevada de surfactantes (detergentes) na água captada às fortes chuvas no Grande Rio, no final da semana passada. Eis a íntegra da nota:
"PRESENÇA DE DETERGENTE EM MANANCIAL INTERROMPE PRODUÇÃO NA ETA GUANDU
A CEDAE identificou no fim da tarde desta segunda-feira (03/02), por meio de análise laboratorial, a presença de surfactantes (detergentes) na água bruta que chega à Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu. Para garantir a segurança hídrica das regiões atendidas pelo sistema Guandu, a diretoria de Saneamento e Grande Produção da CEDAE decidiu fechar as comportas da entrada do canal principal da estação.
O material foi arrastado pelas fortes chuvas registradas na Região Metropolitana do Rio desde a noite de domingo (02/02). A Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) já foram informados do fato para iniciarem os respectivos procedimentos.
Técnicos da Companhia permanecerão monitorando a captação de água até que a concentração destas substâncias não represente risco à operação da estação", conclui o documento.
A interrupção do funcionamento da ETA do Guandu acontece na véspera de um ato público nas escadarias da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em favor da CPI da Água e contra a privatização da companhia, prevista pa o segundo semestre deste ano. As ações da Cedae foram oferecidas em garantia ao banco francês BNP Paribas, em uma operação de refinanciamento da dívida do Estado com a União, em 2018, ainda na gestão de Luiz Fernando Pezão (MDB). O Sintsama-RJ está convocando os trabalhadores da Cedae para fazer um grande movimento no dia 04/02, já na abertura dos trabalhos na Alerj, para pressionar os deputados estaduais a criarem uma CPI que investigue o desmonte da Cedae, que vem provocando a queda na qualidade da água oferecida para a população do Rio de Janeiro.
Para o Sindicato, é preciso apurar o que está por trás desse interesse em tirar do povo a mais importante empresa do estado (Cedae) e responsabilizar os dirigentes que promovem esse desmonte.
A Cedae vem passando por um desmonte intenso. "No ano passado foram demitido 54 técnicos experientes com nível superior, sem nenhuma reposição e realizado três Programas de Demissão Voluntária (PDV) com a saída de 1.000 técnicos com vasta experiência. Falta investimento na empresa e a realização de um concurso público para realizar um melhor atendimento para a população do Rio," argumenta o presidente do Sintsama, Humberto Lemos.
Presidente da Frente Parlamentar de Saneamento, o vereador Alexandre Arraes, do PSDB, move uma ação exigindo o ressarcimento imediato dos consumidores e não poupa críticas à operadora:
"A ausência de um contrato de concessão com previsão de metas, cronograma de investimentos, compromisso com universalização e, principalmente, indicadores para acompanhamento da qualidade dos serviços prestados é uma das razões da tragédia do saneamento e a grave crise hídrica que estamos vivendo. Mas não é apenas isso. O uso político da Cedae por longos 45 anos e a total falta de transparência também contribuem e muito,".
O vereador usa o episódio do detergente como um indicador da deterioração das relações entre a companhia e o público, que demanda medidas drásticas:
"A população carioca e fluminense não confia na Cedae e não poderiam mesmo confiar. A empresa insiste na potabilidade de uma água impossível de ser consumida, rejeitada até por animais. Queremos saber se a estatal realizou todos os testes como determina a portaria específica do Ministério da Saúde e, se realizou, é fundamental que publique e dê transparência a isso. O cidadão compra água potável da Cedae e, nas relações se consumo, é o fornecedor quem deve demonstrar a qualidade do produto. Foi por isso que ajuizei ação popular para que a Cedae comprove de maneira inequívoca a potabilidade da água e, enquanto não o fizer, que a cobrança de tarifas seja suspensa. Enquanto não soubermos o que há além de geosmina nessa água o cidadão não vai consumi-la e a empresa não pode cobrar por ela. Nesse episódio do detergente, a falta de transparência continua a derrubar a credibilidade da estatal. Se não fosse o trabalho da imprensa nem saberíamos desse novo absurdo que está acontecendo no Guandu. É preciso que o presidente da empresa venha imediatamente a público dar explicações à população", conclui.