Um grupo de ativistas, incluindo mães de crianças com deficiência, fizeram nesta quarta-feira (27) um protesto em frente ao Tribunal de Justiça do Rio, no Centro da capital, contra a iniciativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que no ano passado criou o ROL Taxativo, uma lista com procedimentos cobertos pelos planos de saúde. A questão foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em setembro de 2021. Em fevereiro, o STJ suspendeu o julgamento do processo, que deverá ser julgado ainda hoje.
O STJ vai decidir se a lista de procedimentos (ROL) deverá ser taxativo ou exemplificativo. O Taxativo poderá impedir que a população consiga fazer um tratamento indicado pelo médico que não esteja coberto pelos planos de saúde. Isto inclui desde o tratamento humanizado do homecare (na casa do paciente), boa parte dos tratamentos quimioterápicos para câncer e até terapias especializadas para síndromes, transtornos e tratamentos continuados, a exemplo dos casos de AME, Down e autismo.
Durante o protesto, os manifestantes se acorrentaram na porta do TJ, além de carregarem cartazes com palavras de ordem. O ato fez parte de um movimento nacional contra a possível aprovação do ROL Taxativo.
“O ROL hoje é adaptativo. Um tratamento não consta da lista básica, mas a pessoa entra na justiça e consegue. Com o ROL Taxativo você não tem como buscar alternativas que não estejam listadas. Por exemplo: meu filho é autista, faz vários tratamentos que passam do limite, porém os planos são obrigados a pagar. Quando o ROL passa a ser taxativo, vale o que está na lista, deixa de ser adaptativo e flexível”, explica Cláudia Silva, uma das líderes do movimento que organizou o ato no Rio.
No STJ, o processo tramita na 2ª Sessão. O ROL, conforme consta na Lei 9.961/98, que criou a ANS, é uma referência básica para contratos de planos de saúde, com tratamentos que as operadoras devem cobrir. Pela jurisprudência, a natureza é exemplificativa, isto é, que as obrigações de cobertura das operadoras de planos de saúde vão para além de seu conteúdo, incluindo eventualmente outros procedimentos.
A ANS entrou no STJ em setembro passado com os Embargos de Divergência 1886929/SP e 1889704/SP, buscando mudar essa perspectiva, com base em argumentos econômicos. Porém, desde então, várias associações de pacientes e até mesmo personalidades famosas ligadas a causas de pessoas com deficiências ou patologias já indicaram, nas últimas semanas, como a mudança impactaria negativamente em seus direitos associados aos contratos.
No período de 2010 a 2020, conforme dado da ANS, foi registrado crescimento das receitas e das despesas, com alargamento da diferença entre estas, dos planos de saúde. No período, as receitas arrecadadas por meio de mensalidades saltaram de R$ 72,6 bilhões para R$ 217,5 bilhões. As despesas também cresceram, mas sempre abaixo das receitas totais, com aumento da diferença em favor das empresas. A ministra do STJ Nancy Andrighi, ao apresentar seu voto, citou dado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que entre 2014 e 2018, apesar da redução do número de consumidores, os planos de saúde tiveram um aumento no lucro líquido per capita, passando de R$ 75,70 para R$ 185,80.
Com a aprovação do ROL Taxativo, os procedimentos com prescrição médica além da lista e negados pelas operadoras - muitas vezes de média e alta complexidades - seriam cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aumentando o desequilíbrio entre o setor público e o privado.
No julgamento do processo no STJ, em 25 de fevereiro, apenas dois dos nove ministros apresentaram seus votos: Nancy Andrghi, a favor da exemplificativa, e o relator Luis Felipe Salomão, a favor da taxativa. O adiamento ocorreu após pedido de mais tempo para analisar o tema.
Confira alguns exemplos de tratamentos médicos que podem ser negados se o rol taxativo e limitado for aprovado: integração sensorial para crianças autistas ou com paralisia cerebral; Análise do Comportamento Aplicado (ABA), para autismo e paralisia; Metodologia Cuevas, para autismo e paralisia; tratamentos realizados em “home care”; e limitação de quantidades e tempos de duração de tratamentos já aceitos, como quimioterapias contra o câncer. O rol da ANS de tratamentos que possibilitam a gratuidade da aplicação é atualizado a cada seis meses. No entanto, em situações solicitadas, apresentando um laudo médico, podem ser aplicadas terapias não inclusas na lista.
A ANS divulgou um comunicado explicando sobre o ROL Taxativo:
Esclarecimentos da ANS sobre taxatividade do Rol de Coberturas Obrigatórias
Atualmente, o caráter do rol é taxativo por força da lei. Julgamento sobre o tema foi retomado pelo STJ nesta quarta-feira e foi adiado novamente. Em razão do julgamento do STJ a respeito de caso específico relacionado à realização de um procedimento não previsto no rol de coberturas obrigatórias dos planos de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vem prestar alguns esclarecimentos:
1 – O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é a lista de consultas, exames, terapias e cirurgias que constitui a cobertura obrigatória para os planos de saúde regulamentados (contratados após 2/01/1999 ou adaptados à Lei 9.656/98). Essa lista possui mais de 3 mil itens que atendem a todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), da Organização Mundial da Saúde;
2 - Atualmente, o rol de coberturas obrigatórias elaborado pela ANS e atualizado periodicamente é taxativo por força da Lei 9.961/2000; ou seja, os procedimentos e eventos em saúde existentes nessa lista não podem ser negados pelas operadoras, sob pena de terem a comercialização de planos suspensa ou serem multadas;
3 – O caráter taxativo do rol confere a prerrogativa da ANS de estabelecer as coberturas obrigatórias a serem ofertadas pelos planos de saúde, sem que os consumidores precisem arcar com custos de coberturas adicionais. Assumir que o rol seja meramente exemplificativo significa, no limite, atribuir a cada um dos juízes do Brasil a prerrogativa de determinar a inclusão de cobertura não prevista em contrato ou no rol de cobertura mínima, o que traria o aumento da judicialização no setor de saúde e enorme insegurança ao setor de saúde suplementar, na medida em que seria impossível mensurar adequadamente quais os riscos estariam efetivamente cobertos. O que impacta na definição do preço dos produtos;
4 – Além disso, sem ter as efetivas obrigações dos planos de saúde documentadas, a ANS não teria como adotar com precisão suas ações regulatórias, como a fiscalização do atendimento das coberturas, cobrança de ressarcimento ao sus, definição das margens de solvência e liquidez das operadoras, e tantas outras ações;
5 – Importante ressaltar que a ANS vem aprimorando sistematicamente o processo de atualização do rol, tornando-o mais ágil e acessível, bem como garantindo extensa participação social e primando pela segurança dos procedimentos e eventos em saúde incorporados, com base no que há de mais moderno em ATS - avaliação de tecnologias em saúde, primando pela saúde baseada em evidências;
6 – Vale destacar ainda que, além da falta de padronização das coberturas, o caráter exemplificativo do rol - por não conferir previsibilidade quanto aos procedimentos e eventos que podem vir a ser utilizados - tenderia a elevar os valores cobrados pelas operadoras aos seus beneficiários, como forma de manter a sustentabilidade de suas carteiras”.