Em entrevista exclusiva ao Portal Eu, Rio!, o antropólogo, especialista em segurança pública e ex-subcomandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Paulo Storani, ressalta que a segurança pública no estado do Rio está vivendo um momento ‘extremamente delicado’.
Um indicador desta afirmação é a recente invasão de comunidades em Jacarepaguá historicamente dominada por milícias antigas, algumas pioneiras no estado, na década de 1970.
Paulo Storani, ex-Subcomandante do BOPE.
Rio das Pedras: a primeira milícia do Rio de Janeiro
Segundo Storani, a comunidade de Rio das Pedras representa o primeiro controle comunitário de territórios formado por moradores. Naquela época, o grupo criminoso era conhecido como "Polícia Mineira".
“A região de Rio das Pedras, Muzema e Gardênia Azul, na zona Oeste, foi povoada por moradores oriundos da região Nordeste, em sua maioria. Eles vieram para o Rio em busca de trabalho, relativos ao franco desenvolvimento, à época, da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá. Esses moradores implantaram as suas próprias regras, não permitindo tráfico de drogas, estupros, roubos e demais crimes na região. Os colegas de farda do 18º BPM (Jacarepaguá), quando eu ingressei na polícia, nos anos 80, falavam que não esquentavam a cabeça com Rio das Pedras. O único trabalho que tinham era remover corpos de bandidos mortos por aquela milícia”, lembra.
Segundo o estudioso, a milícia local mudou muito e já não tem o mesmo poder de controle. E Jacarepaguá é hoje um dos principais alvos de traficantes, em razão da localização estratégica para abastecer de drogas diferentes bairros da cidade e do poder dos consumidores locais.
“Boa parte das drogas hoje são vendidas para os próprios moradores das regiões. Na Rocinha, por exemplo, estima-se que 60 % das vendas são para os próprios moradores. Em Muzema e Rio das Pedras, caso o tráfico realmente domine, não será muito diferente. O cenário é semelhante. Esse consumo local movimenta muito o tráfico, gera uma boa receita. É óbvio que ali, no caso da Gardênia, da Muzema e de Rio das Pedras, ainda rolam 'esticas' para Barra e Jacarepaguá, regiões de grande poder aquisitivo. Estamos falando de uma expansão poderosa dos traficantes”.
Rio das Pedras. Foto: Fábio Costa/Prefeitura-RJ
‘Mexicanização’ do Rio de Janeiro
As recentes invasões de área de milícias em Jacarepaguá alertam, de acordo com Storani, para um processo que ele define como o início da “Mexicanização” do Rio de Janeiro, em termos referentes aos famosos cartéis de drogas mexicanos.
“Lá (no México), o governo já não governa mais e muitos políticos são tutelados pelos cartéis de drogas. Há regiões mexicanas em que as leis são ditadas por esses grupos criminosos. Se nada for feito, acontecerá o mesmo processo no Rio de Janeiro. Aliás, já está acontecendo, e o que acontece no Rio repercute em outros estados!”, alerta.
O antropólogo explica que, no Rio, semelhante ao México, a milícia e tráfico já têm representantes na politica.
“Imagina quando controlarem a população na cidade inteira! O Comando Vermelho é a maior facção do Rio, é a mais forte e tem uma estratégia de expansão violenta. Se nada for feito, vamos ver pessoas completamente dominadas por facções criminosas. Esse é o risco que já estamos correndo!”.
Traficantes mexicanos matam 40 pessoas/dia. Foto: Rede Social
Governo Federal
Storani não poupou críticas ao governo federal:
“Acredito que o momento é delicado na história da segurança pública do estado do Rio. O governo federal assumiu uma total ausência de qualquer medida ou proposta de política pública para combater o tráfico de drogas. Pelo contrário, o que podemos ter é um relaxamento das leis e normas, além de descriminalizar algumas atividades criminosas que não contribuem em nada para a melhoria da segurança pública. Precisamos de um governo federal que haja de comum acordo com os estados e endureça a política de combate aos narcotraficantes! Como temos uma nova gestão, os próximos anos serão determinantes para saber o que vai acontecer com a própria liberdade dos moradores do Rio e o nosso direito de ir e vir! Se houver um agravamento da situação atual, a contenção disso será muito difícil!”, diz Storani.
Lula e o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Críticas ao STF
“Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de restringir operações policiais em comunidades e o uso de aeronaves, criou-se no Rio de Janeiro uma área de exclusão que fez com que criminosos de várias regiões do país viessem para o nosso estado em busca de proteção, buscando asilo num estado onde a polícia tem dificuldade de operar em comunidades comandadas por traficantes. Algumas dessas decisões (da justiça federal), além de inapropriadas, são ilegais. O supremo não tem competência para atuar como poder executivo!”, ressalta.
Operações policiais estão restritas no Rio por decisão do STF. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
O poder do Comando Vermelho (CV)
“A situação histórica e estratégica do Comando Vermelho (CV) é violentamente expansionista. A principal estratégia do CV é a expansão permanente, invadindo e controlando territórios rivais. A população não tem noção do poder que essa facção tem! Eles trabalham com turno de serviço, organizados, como se fossem realmente uma empresa. Estamos falando de uma organização com alto poder de efetivo e de armamentos. Não é algo simbólico. É muito sério isso!”, observa Storani.
CV comanda, atualmente, 826 comunidades no RJ. Foto: Agência Brasil
Dados do CV:
Comunidades controladas: Hoje, em 2023, essa facção comanda 60% das comunidades do Rio, ou seja, 826 comunidades controladas.
Efetivo: Entre 36 e 40 mil bandidos.
Armas: Arsenal de 12 mil unidades, entre fuzis, pistolas e submetralhadoras. De acordo com Storani, um fuzil de assalto é uma arma de alta letalidade, com projéteis de velocidade com capacidade de atingir o alvo a 1,5 km de distância, com força para ser letal.
"Esse é um dos maiores problemas que vivemos no Rio: a presença de armas de guerra com grande poder de destruição, ocasionando balas perdidas e muita letalidade!", conclui o especialista em segurança pública.