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Famosa biógrafa de mestres

Parcerias de Marilia Trindade Barboza com bambas são reunidas no EP "Outra Face"

Talento de compositora em obras de referência na Música Popular Brasileira


Fotos: Divulgação

Famosa por ter escrito as biografias definitivas de Pixinguinha (1897-1973), Paulo da Portela (1901-1949), Luperce Miranda (1904-1977), Cartola (1908-1980) e Silas de Oliveira (1916-1972), entre outras obras de referência, e pela inventiva gestão do Museu da Imagem e do Som entre os anos 1999 e 2002 , a pesquisadora Marilia Trindade Barboza vai revelar ao público um outro talento: o de compositora.

Em parceria com bambas como Argemiro Patrocínio ("Não vou sofrer"), Nelson Cavaquinho ("Caminhando"), Carlos Cachaça ("Restos Mortais"), Arthur L. Oliveira ("Não se usa mais") e Nelson Sargento ("A gente esquece"), Marilia compôs as cinco inéditas reunidas no EP "Outra Face", que chegará nas plataformas digitais no dia 28 de abril puxado, nesta ordem, pelas vozes de Pedro Miranda, Marcos Sacramento, Pedro Paulo Malta, Nina Wirtti e da veterana Áurea Martins. Os arranjos são do maestro e violonista Luís Filipe de Lima.

"A música sempre esteve presente na vida de Marilia. Primeiro, estudou piano. Muitos anos depois, convivendo com Cartola, tenho em mim que ele exerceu muita influência na compositora que ela é. Marilia compôs lindamente com os mais diversos parceiros e agora está lançando o seu primeiro disco. O primeiro de muitos", comemora Herminio Bello de Carvalho.

O violonista, compositor, historiador e escritor Luiz Otávio Braga acompanha de perto os feitos de Marilia e escreveu sobre:

"Conheci Marília Trindade Barboza sempre debruçada sobre a música popular urbana do Brasil, notadamente o samba urbano: ela gosta mesmo que se lhe digam ser historiadora da música popular brasileira. Muito mais do que ouvir os baluartes do samba e do choro, assumiu o compromisso de nos revelar as histórias desses autores, a história de suas práticas culturais, a música como eixo fundamental. Foi assim que nos foi tornado possível conhecer, por exemplo, para além do repertório musical, a significação para a cultura brasileira de um Pixinguinha, Cartola, Paulo da Portela. E foram 13 os livros escritos por Marilia até aqui.

Ao antropólogo – ela, uma deles – sabemos ser crucial a operação de estranhamento e tal implica imergir no ambiente onde se processará a pesquisa, viver o modo de vida, assenhorar-se das condições do dia a dia do grupo a estudar; fazer, para depois poder olhar “de fora” e analisar. E lembro de Darcy Ribeiro. Contou-me ele e aos meus antigos companheiros da Camerata Carioca que, num dia, no Xingu, depois do almoço, vira na taba o cacique deitado na rede e a ser acarinhado por três indiazinhas que lhe catavam os piolhos. E então gritou, da sua: “Você é que é feliz; aí, com essas índias bonitas a lhe catar os piolhos!”.

Passou-se. Dali a pouco as três indiazinhas lançaram-se na rede de Darcy e encheram-lhe os cabelos com os piolhos retirados da cabeça do cacique, pondo-se, em seguida, a catá-los.

A relação de Marília com a comunidade do samba carioca foi tão intensa e sincera que ela assimilou, sem talvez se dar conta, sem premeditação, aquelas práticas musicais, tornando-se também guardiã de um léxico, de uma “gramática" que viriam por torná-la parceira de Nelson Sargento, Carlos Cachaça, Argemiro Patrocínio, Nelson Cavaquinho. Mais um pouquinho e o venerável Cartola teria sido também seu parceiro. Para compensar – em resposta ao "Acontece", do célebre compositor de "Não Quero Mais" e "As Rosas não Falam" – escreveu para Nelson Sargento a poesia do belo "A gente Esquece". Neste EP tem-se a oportunidade de apreciar e se deliciar com a Marília letrista e melodista. Ouça-se, por exemplo, "Restos Mortais", com letra de Carlos Cachaça para a melodia de Marília e "Não vou sofrer", com a parceria de Argemiro quando compõe letra e música para a segunda parte do samba.

Não duvido que Marília tenha ouvido rasgados elogios daqueles compositores; saudações de boas-vindas a um “clube” tão seleto e tão, por assim dizer, machista - Leci Brandão, Dona Ivone Lara, exceções à regra. De sorte que, certamente, o contexto, além da intensa atividade intelectual de Marília, adiaram essa estreia com a qual somos, hoje, agraciados. É uma pequena, mas substantiva amostra extraída de um conjunto de mais de 50 composições.

Vale registrar a ficha técnica do EP tendo à frente a produção musical do violonista e arranjador (de todas as faixas) Luis Felipe de Lima: Kiko Horta (acordeão), Luis Barcelos (bandolim), Thiago da Serrinha (cavaquinho e percussão), Fabiano Segalote (trombone), Eduardo Neves (sax e flauta) e Júlio Florindo (baixo elétrico). Pedro Miranda, Pedro Paulo Malta, Marcos Sacramento, Áurea Martins, Nina Wirti cantam as cinco faixas.

Perceber as práticas! Esta é uma das grandes lições do marxismo, senão a maior delas. Marília Trindade Barboza tanto cantou, viveu e vive entre os sambistas, que faz sambas!".

Ouça "Outra Face"

Faixa-a-faixa, por Marilia Trindade Barboza


"Não vou Sofrer"

Durante o período em que estava fazendo a pesquisa para a biografia do Paulo da Portela o Argemiro Patrocínio (Argemiro da Portela), integrante da Velha Guarda à época, foi um dos meus mais importantes colaboradores. Desenvolvemos uma grande amizade. Um dia ele me chamou à parte, cantou uma estrofe de um samba que acabara de criar. Logo na segunda passada, cantei junto com ele. Então ele disse: ‘Põe a segunda!’ Missão dada, missão cumprida. E na roda seguinte, cantei a parte que fiz e ele gostou. Guardei a música numa fita cassete, onde ficou dormindo até hoje. Agora acordou. A escolha do Pedro Miranda para interpretar essa música foi mais que acertada.

"Caminhando"

Nelson Cavaquinho entrou para a história da música brasileira como autor de sambas, mas fez um único choro que é justamente “Caminhado”, composto no cavaquinho, instrumento que ele depois abandonaria para se dedicar apenas ao violão. Sempre fiquei imaginando porque ele teria largado a composição de outros choros. Um dia, com essa ideia martelando na cabeça, sentei e escrevi a história do “Caminhando” pensando no Nelson. Era um choro gravado há muitos anos em sua versão instrumental. Como Nelson estava vivo e eu me dava com ele, decidi mostrar essa letra a ele. Ele gostou muito, mas não comentou nada. Apenas perguntou se eu o acompanharia num show que ele faria no Teatro Opinião cantando essa versão de “Caminhando”. Como não sei cantar e sou tímida demais em relação às coisas que não sei, acabei não indo. Mas com o aval dele, o Juarez de Brito (filho de Guilherme de Brito, o grande parceiro de Nelson), começou a tocar o Caminhando em algumas de choro. Quando me debrucei sobre o projeto do EP, logo me lembrei de incluir “Caminhando” no repertório, já que o Nelson gostava da letra. E foi uma delícia ter o Marcos Sacramento gravando com a gente.

"A gente esquece"

Quando lembro como essa música nasceu me dá uma saudade... Era muito comum nós conversarmos eu, Arthur Oliveira e Nelson Sargento na casa do Cartola, ainda na Mangueira. Eles ficavam sentados do lado de fora tocando, cantando e mostrando músicas uns aos outros. Eu ficava olhando aquilo tudo acontecer. Um dia Cartola pegou o violão e começou a tocar “Acontece”, uma canção em que ele dizia que não conseguiria mais amar outra vez. Mas aconteceu dele voltar a se apaixonar. Então brinquei com ele: ‘Acontece, mas a gente esquece’. De cara, o Nelson Sargento emendou: ‘Isso dá samba! Vamos fazer?’ E conversando ali, em volta da mesa, a música foi nascendo. Na gravação desta faixa para o EP, tive duas grandes alegrias: a linda citação de ‘Acontece’ no arranjo do Luis Filipe Lima e ter a magnífica Áurea Martins, dama da nossa música, como intérprete.

"Restos Mortais"

Carlos Moreira de Castro, o Carlos Cachaça, o maior parceiro de Cartola, tinha vontade de publicar em livro os seus poemas. Ele sempre repetia que poema era pra ser lido, pontuando as diferenças com as letras que fazia para o parceiro, sempre em cima das melodias. Ele enviou originais desses poemas, escritos a mão, para o Hermínio Bello de Carvalho que ocupava uma cargo de direção na Funarte. E Hermínio me deu a missão de organizar o material e fazer uma introdução apresentando o Carlos para lançarmos o livro. Tempos depois, disse ao Carlos que muitos daqueles poemas ficariam muito bem se fossem musicados. E peguei três desses poemas, deixando um com Dona Ivone Lara, um com Délcio Carvalho e fiquei com o outro. Dona Ivone não teve tempo de fazer a melodia. O Délcio musicou ‘Caminho da Existência’, que ficou uma maravilha. E eu fiquei com ‘Restos Mortais’, que me chamou a atenção. Era um poema sobre um homem abandonado pela mulher e que estava muito magoado com ela, mas era visível que ainda estava apaixonado. Ouvi vários sambas do Carlos e tentei fazer a melodia exatamente como achei que ele faria. Das cinco faixas do EP, esta é a única em que a música é inteira minha. A faixa foi lindamente cantada por Pedro Paulo Malta.

"Não se usa mais"

O professor Arthur Oliveira Filho era um mestre na acepção da palavra. Sua missão era ensinar. Tive aulas com ele desde os dez anos de idade no Colégio Pedro II e sua forma de ensinar a língua portuguesa era diferente de tudo que se fazia naquela época. Foi também meu professor de violão e me apresentou os grandes instrumentistas. Eu passei a conviver com vários, inclusive Raphael Rabello, e o pessoal do choro também, como o César Faria, pai do Paulinho da Viola. Sempre fui uma amante do choro e o período de abandono pelo qual ele passou sempre me incomodou muito. ‘Não se usa mais’ sintetiza esse sentimento e fiz dessa parceria com o professor Arthur uma homenagem a todos os chorões do mundo. E o vocal da talentosa Nina Wirtti foi muito feliz ao resgatar essa atmosfera saudosista.





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