Filmes de tribunal sempre conquistam um bom espaço entre o público pela grande questão que a narrativa propõe: o que realmente aconteceu? Assim, “Anatomia de uma Quebra” já está também ganhando seu lugar, premiado em Cannes e duplamente no Globo de Ouro, o filme é sim um suspense jurídico, mas que vai te surpreender por alguns detalhes essenciais.
Sinopse: Durante o último ano, Sandra, uma escritora alemã, e Samuel, seu marido francês, viveram juntos com Daniel, o filho de 11 anos do casal, em uma pequena e isolada cidade nos Alpes. Quando Samuel é encontrado morto, a polícia passa a tratar o caso como um suposto homicídio e Sandra se torna a principal suspeita.
Logo de início sabemos qual é o acontecimento e quem morreu. Dessa forma, partimos para o julgamento e investigação cúmplices de um personagem fundamental: o filho Daniel. Isto porque a criança está basicamente no mesmo patamar que nós de saber detalhes do que aconteceu: se foi suicídio, um crime ou apenas um acidente. A direção e roteiro de Justine Triet é o diferencial, pois é sua visão feminina que dá o peso diferente e conquista o holofote para o filme, especialmente através de Sandra Hüller, porque se tem algo que é de se aplaudir aqui é a atuação dela!
Triet trabalha no filme também sobre homens e mulheres. Percebemos que, no tribunal, a acusação é liderada por um homem e todas as testemunhas chamadas também são homens, que todos juntos seguem descredibilizando Sandra. Dessa forma, a personagem tem mais esse obstáculo para ultrapassar somado a todos os preconceitos: ela é mais bem-sucedida que seu marido e é bissexual. Além disso, está em um local que não a deixa confortável, pois tem dificuldades para se comunicar. Sandra é alemã e vive na França, então o inglês era o território de paz para ambos os lados em sua casa. Mas, no julgamento, isso é mais um detalhe que a coloca como "a estrangeira", "a que perde credibilidade", "a ameaçada".
(Se você não quer spoiler, pare por aqui. Por sua conta e risco!)
A grande virada do filme é que não vai se sustentar em dar o veredito 100% do que aconteceu, de resolver o mistério ou, ao menos, mostrar ao público a verdade. “Anatomia de uma Queda” tem como base gerar dúvidas e faz isso com maestria. Para começar, somos surpreendidos por um áudio importante para o julgamento: quando dão play, assistimos a um flashback e ganhamos mais informações sobre a cena, já que o som tem imagem. No entanto, na parte crucial, a final, voltamos para o tribunal e apenas temos o áudio da agressão. Afinal, acreditaremos na versão de Sandra ou preencheremos a lacuna como achamos?
Outro momento fica nas mãos de Daniel. O menino começa confirmando sua convicção de que, mesmo sem a visão, sabe bem o local da casa onde estava e o que ouviu. Mas depois diz que se confundiu. Isso já desperta mais uma dúvida, bem importante, para nós. No entanto, aconselhado pela responsável que o acompanha, Daniel precisa tomar uma decisão e a faz em seu depoimento. Mais uma vez, Triet evidencia como o som é essencial em seu filme, pois enquanto o filho conta no tribunal sobre uma conversa que teve com o pai falecido, somos levados a um flashback, mas o áudio é a voz de Daniel. Então, essa memória é real ou fabricada para inocentar sua mãe?
“Anatomia de uma Queda” consegue ser um filme de julgamento que vai além do veredito, pois não saímos com as provas da verdade. Mas, com certeza, temos a sensação que fomos apresentados a muitas possibilidades e que também ficamos com a tarefa de tirar nossas conclusões.
A estratégia é chamar atenção para o filme, especialmente porque seu lançamento é no final de fevereiro, época bem conhecida para ir ao cinema conferir os indicados ao Oscar.