Faz uma semana que ouvi de um grande amigo, que eu deveria sempre seguir meu coração em minhas escritas designadas para o teatro. Segundo ele, são nelas onde os artistas encontram acolhimento. Hoje posso dizer que não existe outro caminho para falar sobre a obra "Se Essa Lua Fosse Minha".
Nesse momento, eu gostaria que Dédalo fosse meu pai para ele engenhar as asas de Ícaro a fim de que eu pudesse voar ao encontro do céu. Essa obra intensificou em mim a vontade de viver. A forma que eles abordaram o amor foi uma das mais belas a que já assisti. Fiquei com vontade de me apaixonar, de amar alguém novamente, algo que pensava estar morto em mim…
Eu não sei se menciono o nome deles ou o trabalho que eles fizeram, porque confesso estar perdida de amor pelos artistas e também por cada personagem. Eles são intensos, absurdamente bons no que fazem, souberam proporcionar sonhos ao público.
Hoje, eu posso me vestir de Suassuna e mandar a Broadway para casa do caixa prego. Digo isso com muita certeza, não desmerecendo os artistas internacionais, mas com a convicção que, mesmo sem aporte financeiro, o teatro brasileiro prova que tem artistas do mais alto nível.
Eu não tenho religião, não frequento igrejas ou centros espirituais, mas tenho fé, que é algo intransferível e pessoal, que só diz a meu respeito. Raramente professo ela ao público e tampouco faço orações pedindo algo abraçada ao travesseiro em meio a madrugada. Mas confesso que, em meu coração, segue um desejo imenso que Ele, autor da minha fé, acolha esses artistas e abra todas as portas, porque vi em cada um deles grandeza vocal e corporal mais que necessária para executar uma montagem.
Eles são de São Paulo, são artistas independentes, e questiono: como essa obra ainda não tem patrocínio?
Isso me assusta e, ao mesmo tempo, me irrita. Ainda mais quando assisto peças patrocinadas que, francamente, ter ficado em casa teria sido a melhor opção. Há espetáculos que me fazem sentir uma capivara cultural, que por osmose mental apenas pisco os olhos, nada sinto e nada entendo, tampouco aprendo.
O teatro é feito de emoção, nos faz chorar, nos faz rir, nos faz aprender e nos ensina. Artistas são invasivos, mesmo sem querer. Muitas vezes comparo certas atuações como meteoros, que explodem, pegam fogo à nossa frente, e nos queimam. É o caso desse elenco, desse espetáculo.
Que me perdoem os intelectuais, mas textos cabeças demais, que não expressam o humano, me cansam. Tudo sem sentido é desinteressante, a meu ver.
O texto é do Vitor Rocha, um belíssimo dramaturgo da alma. Enquanto assistia à peça, pedi aos deuses do teatro que um dia, lá no futuro, meus sobrinhos tenham a oportunidade de assisti-la também.
O texto e as letras das canções são arrebatadores! Fiquei a imaginar como esse menino conseguiu construir essa dramaturgia tão potente. Narrativas e letras musicais que se enlaçam a cantigas de rodas. Meu Deus, como ele chegou a essa dimensão? Trata-se de um gênio!
Eu não sou simpatizante de musicais, sou raramente hipnotizada por um. O último deles foi “Pippin”, com a querida Nicette Bruno, inesquecível. E “Se Essa Lua Fosse Minha” entrou nesse hall, com a mesma doçura.
Elton Towersey trouxe os arranjos musicais com ternura. Elas foram criadas com amor, isso eu não tenho dúvidas. Para quem não sabe, um arranjo musical exige muito do artista, horas de trabalho, que desgastam, cansam a quem o prontifica a fazer.
A direção musical também é dele. Mesmo tendo inserções de som mecânico, acontece com beleza ímpar. Esse rapaz foi abençoado por Apolo, ou quem sabe é a própria encarnação do Deus da Música, podendo estar entre os mortais disfarçado!
Alberto Venceslau assina a direção de movimento, que também é linda. Ela está perfeitamente harmonizada com todos os ritmos.
O texto permeia entre o drama e encantamento, com notas de comicidade impecáveis. É tudo muito mágico. Confesso que não tenho palavras para falar sobre o que assisti, é tudo sem dimensão. É simples, elegante, inteligente, simpático, de alguma forma faz parte de nossas vidas, é uma agonia tentar escrever o que não consigo, porque acima da razão, nesse caso, está a minha emoção. A lógica foi nocauteada, é isso! Ele é realmente lindo! A poesia se apresenta em sua mais bela forma. Eu vi a poesia atuando…
Sem figurino suntuoso, sem um cenário faraônico, sem um desenho de luz engenhoso, esses artistas se apresentam, nos fazendo entender o teatro do Molière. Certamente, ele iria adorar essa obra!
São os grandes protagonistas do teatro. Assim como os professores, utilizam o giz, desenhando suas histórias. E, infelizmente, como os professores, não estão em evidência. No entanto estão se apresentando no espaço da Armazém Cia de Teatro, o que julgo ser uma honra para eles.
O que esses jovens fazem no palco é realmente um desbunde da arte, ficamos deslumbrados com tanta riqueza cênica, fica impossível tentar trazer por escrito as técnicas e a cientificidade do teatro para descrever o que eles fizeram. Perdoem-me os doutores das artes cênicas, mas não relatar os meus sentimentos nesse momento seria apenas falácia da minha parte.
São duas horas de espetáculo que passam como uma estrela cadente diante dos nossos olhos!
Fazer teatro independente com um elenco grande requer coragem, disposição e vontade de fazer acontecer. Cabe a nós somente agradecer a eles por tanta dedicação.
Os diamantes…
Luci Salutes, quando canta, é como se a primavera invadisse a nossa alma. Assisti-la é como contemplar um campo de girassol, que com a brisa, belissimamente se balança. Um verdadeiro espetáculo!
Arthur Berges é o protagonista. Ele enfeitiça! O ator convence, ele se emociona e nos emociona. Um jovem rebelde que se recusa a casar sem amor. Sua narrativa é linda, há nele um ar de inocência que transcende seu personagem. Encantador!
Priscila Araújo me faz lembrar uma matriarca, alguma entidade, uma cacica, quem sabe a própria lua. Priscila esteve no espetáculo "Hairspray Musical", no Teatro Prudential. Impossível será eu ouvir "Samba Lele ta Doente" e não lembrar da cena onde ela canta a cantiga para sua sobrinha Leila. Foi lindo! Ela se apresenta com um cajado nas mãos, que traz um certo respeito. Parece uma força ancestral, isso sim!
Marisol Marcondes... Fui assistir a essa obra por indicação do meu amigo crítico Gilberto Bartholo. Não recebi release da assessoria de imprensa ou vi comerciais patrocinados nas páginas sociais, longe disso. Não há ostentação entre eles, mesmo com essa atriz que dá um show de interpretação! Antes de falar sobre eles, fui em busca de informações, pois só reconheci um artista do elenco. Detalhe: eu não sabia que ele estava no espetáculo. Belisa é uma personagem que explode na peça, do início ao fim, nos faz rir e no final nos surpreende com a atuação majestosa de Marisol. Ao espiar sua página social, descobri que a moça foi a Ariel, da Pequena Sereia, uma grande montagem em São Paulo. Mesmo não tendo visto a obra, fiquei em estado de encantamento com as fotos. É aquilo: com o tempo enxergamos quem é bom, ainda que sem referência.
Thiago Marinho... Esse personagem me pegou pelo coração! A humildade e a poesia de Florípio conquistaram a minha alma. A beleza da performance do artista é cativante demais. Ele já esteve em alguns espetáculos, inclusive dentro do CCBB, mas esse personagem e essa atuação estarão eternizados em mim. Há tanta beleza nesse rapaz que fica difícil traduzir. Ele é ótimo, muito mesmo. Seus olhos falam!
Daniel Haidar e Edmundo Vitor protagonizam uma das cenas mais lindas. Ambos os artistas têm obras importantes em seus currículos. O que assisti deles me impactou muito. Em cena, falam do amor. Quando uma atitude é tomada por parte de um dos personagens, o outro responde de maneira bruta, nos fazendo entender como precisamos ver o amor na sua essência e não com preconceito bobos. Que maravilha!
Não sei o motivo, mas lembrei-me de Apolo e Jacinto, da mitologia grega. Perceptível a bagagem cultural do autor.
Leonam Moraes... Esse artista não é bom, o cara é um demônio, pega fogo, é incandescente, atua com uma força descomunal, e tudo como se estivesse ensaiando! Incrível como ele conquista a plateia. Fiquei perplexa, porque tive a sensação que ele não precisa de esforços para atuar, como se tudo fosse fácil. Sabemos que existem ensaios duros para execução de uma peça, descobertas, mas a arte cênica me pareceu ser algo intrínseco nele.
Larissa Carneiro... Como eu não a conhecia? Um verdadeiro absurdo! Larissa é a mãe do noivo. De alguma forma, tinha que casar o filho com a estranha Belisa. Afinal, a família da noiva tinha posses e a Senhora Batesquião só vivia de aparência, estava falida. Larissa é de uma riqueza ímpar no teatro. Posso estar enganada, mas a construção da personagem dela tem muito da atriz, porque ela interpreta com tanta naturalidade que fica impossível não acreditar que, de alguma forma, uma está contida na outra. Perfeita!
Alberto Venceslau, em uma das cenas, empresta seu belíssimo corpo para a dança, enquanto faz uma interpretação em libras. Você se perde entre a interpretação e a expressão corporal dele, desenhada por músculos muito bem definidos. Alberto é belo, chama a atenção, mas - acima de tudo - embeleza. Ele é como um movimento de um rio fluido!
Kiko do Valle era o único artista que já tinha assistido. Ele esteve no CCBB, como antagonista do espetáculo “Yolantra”. Que voz! Nessa obra, mais uma vez, foi antagonista. Quando canta "Escravos de Jó", junto a um trio, ele eleva o espetáculo, porque há nele uma dimensão artística raramente superável.
Agradeço ao meu amigo Gilberto por essa recomendação, agradeço ao Vitor que invadiu meu coração e emoção!
Indico muito que todos assistam essa obra!
De resto, a vontade mesmo é de brincar de queimado, adoleta, passar anel, bandeirinha e amar mais uma vez!
Sinopse:
Saído de Terrarrosa, uma província da Espanha, um povo navega pelo oceano em busca de um lugar para construir um novo amanhã. Eis que lhe é apresentada a terra de Porto Leste, uma ilha que - para a surpresa de todos - era habitada por um outro povo. A diferença de crenças e culturas faz com que uma divisão se torne iminente e uma linha é riscada no chão a fim de evitar a guerra. De um lado fica a destemida Leila e, do outro, o rebelde Iago. Quem é que faria um coração respeitar uma linha riscada no chão?
Ficha Técnica:
Idealização e Texto de Vitor Rocha
Letras de Elton Towersey e Vitor Rocha
Direção de Victoria Ariante
Músicas, Direção Musical e Arranjos de Elton Towersey
Direção de Movimento e Coreografia de Alberto Venceslau
Preparação de Elenco de Lenita Ponce
Elenco:
Luci Salutes como Leila
Arthur Berges como Iago
Priscila Araújo como Anciã/Madrinha
Marisol Marcondes como Belisa Passaláqua
Thiago Marinho como Florípio
Vitor Rocha como Pirulito
Daniel Haidar como Levi
Edmundo Vitor como Delfim
Leonam Moraes como Capitão R. E. Batesquião
Larissa Carneiro como Sra. Batesquião
Alberto Venceslau como Cirandeiro Ó
Kiko do Valle como Chefe dos Guerreiros
Desenho de Luz de Fran Barros
Operação de Luz de Marina Gatti
Desenho de Som de Paulo Altafim (Audio S.A.)
Operação de Som e Trilha: Thiago Venturi
Realização: Encanto Artístico e Gaulia Teatro
Produção Geral: Lucas Drummond, Luiza Porto e Vitor Rocha
Produção Executiva: Victor Miranda
Assistente de produção: Ana Paula Marinho
Serviço:
“Se Essa Lua Fosse Minha”
Local: Espaço da Armazém Cia de Teatro
Endereço: Fundição Progresso - Rua dos Arcos, 24 - Lapa – Rio de Janeiro – RJ
Temporada: De 3 à 25 de junho
Dias: Sábados (20h) e domingo (18h)
Duração: 140 minutos
Gênero: Musical
Classificação: 12 anos
Ingressos: R$60 (inteira) e R$30 (meia)
Venda: www.sympla.com.br/encantoartistico