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"Ninas": uma ode contra o racismo e pela África

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 15/09/2023 às 18:05:25

Você não consegue sentir isso?

Escutar Nina sempre foi uma das minhas preferências. Ao abrir um vinho, sempre achei um som sexy e elegante, com sutileza sofisticada nos acordes e condicionamento vocal, mas nunca tinha parado para ouvir sobre a artista, sobre sua história de luta contra o racismo. Agora, tenho mais orgulho e mais um propósito para continuar ouvindo. Digo mais: agora degustarei a sua voz, música e festejarei sua memória, levantando uma taça, brindando a existência dessa mulher!

Afinal nem a marca Channel resistiu a seu estilo e perfeição vocal…

"Ninas" é o nome do espetáculo sobre Nina Simone que está em temporada no Sesc Copacabana, para nossa sorte!

Por que saber sobre Nina Simone é importante para um brasileiro hoje? Porque existe entre nós a não aceitação dos direitos civis negados ao povo preto, simples assim.

Em 15 de setembro de 1963, uma bomba destruiu a Igreja Batista da Rua 16 e provocou a morte das negras Cynthia Wesley, Carole Robertson e Addie Mae Collins, todas com 14 anos, e Denise McNair, 11 anos, nos Estados Unidos. Nina foi reativa, o que deveríamos também ser com tantas crianças mortas dentro das comunidades da cidade do Rio de Janeiro. De alguma forma, o espetáculo faz renascer em nós a não aceitação do que até hoje continua se repetindo, mesmo que de forma “implícita”.

Tão implícito quanto São Paulo, que não parece ter artistas teatrais negros. Ao menos é o que parece quando nos referimos às indicações a prêmios de teatro.

Só por isso, já valeu a pena a montagem do espetáculo.

Nina é uma artista que desperta nossas sensações através da sua musicalidade. Ouvir Nina é se regozijar de alma, suas músicas são apuradas, com melodias majestosas, satisfatórias, porta de entrada do encantamento e da sedução.

Uma de suas músicas chegou ao filme "Cinquenta Tons de Cinza", que explodiu mundialmente.

“Eunice Kathleen Waymon, conhecida pelo nome artístico Nina Simone (Tryon, 21 de fevereiro de 1933 — Carry-le-Rouet, 21 de abril de 2003) foi uma pianista, cantora, compositora e ativista pelos direitos civis dos negros norte-americanos. É bastante conhecida nos meios musicais do jazz, mas trabalhou com diversos estilos musicais na vida, como música clássica, blues, folk, soul, R&B, gospel e pop.

Realizou manifestações nas ruas e em frente a Casa Branca, batendo de porta em porta, chamando as pessoas para lutar contra o genocídio negro mundial, indo até à televisão pedir para os políticos que assinassem leis que modificasse a intolerância étnica que pairava sobre o país.”

“É uma obrigação artística refletir o meu tempo.” (Nina Simone)

A dramaturgia é de Joaquim Vivente, que nos mantém vivos, conta a história de Nina com seus ápices, tudo satisfatoriamente. Com linguagem acessível, de fácil entendimento, ou seja, um teatro para todos. Isso realmente me faz grata. O teatro é para todos, ele deve ser democrático, não pode atender somente aos intelectuais, principalmente diante da realidade educacional do nosso país. Tem comicidade em alguns momentos, notas bem-vindas.

Senti falta de um visagismo que me levasse mais à época, o que seria justo e merecido, por exemplo, quando David Bowie reconhece a grandeza da Nina Simone. O espetáculo traz esse momento de grande importância para a artista, mas no palco senti falta das características visuais do icônico cantor e compositor. Impossível falar de David e não ter cores quentes, que o definiam para o público.

No cenário, um piano, justíssimo. Afinal, Nina começou a tocar ainda criança. Chegava a estudar sete horas por dia com afinco para se destacar no cenário musical. Um telefone de época também aparece, bom objeto de cena.

Fábio D'Lélis é o único artista homem em cena. O rapaz tem uma excelente voz, chega bem no palco e continua na mesma frequência. Utiliza seu corpo com uma malícia nada melindrosa, super agradável!

As demais atrizes fazem um trabalho específico, são quatro as artistas que vivem Nina ou posso dizer "as Ninas".

Mas, um dos motivos que me leva a escrever para o público é a atriz Roberta Ribeiro.

Quando assisto ao espetáculo e reconheço um ator ou atriz no palco, não me preocupo em saber sua origem, onde esteve. Não mesmo! Apenas quero ver a obra que ele me entrega. Se estudou aqui ou ali, nada disso faz diferença para mim. Estou ali sentada, não analisando um currículo, mas sim uma obra, uma força que parte de um artista, após incansáveis ensaios e pesquisas.

Quando Roberta entrou no palco, sua fisionomia me assustou. Seu olhar duro como concreto, como de um granito preto, já sinalizava um diferencial. Pouca simpatia, confesso, parecia carregar algo insatisfatório neles, digo, no olhar. Até começar a ouvir o texto narrado... ali comecei a entender a expressão facial.

Roberta entrou como um raio no palco e manteve-se viva, com sua expressão corporal pertinente. Para mim, na alma dela pousava toda ira de Nina Simone.

Ao abrir a boca, quando a atriz começa a cantar, eu não sabia onde me colocar, porque eu já estava sentada. Mas isso não era suficiente, eu não cabia em mim, queria aplaudir de pé, mas isso não convém no meio de um espetáculo.

Eu NÃO conhecia a atriz, NUNCA tinha assistido nenhum trabalho dela, e o que isso quer dizer? Que PERDI, que perdi a oportunidade de admirar seus feitos antes!

Mas antes tarde do que nunca, não é?

A atriz não se desligava, parecia um leão na savana africana, de um lado para o outro, mesmo quando assistia suas colegas de palco, continuava a ser Nina Simone, julgando a si mesma enquanto Anna Paula Black (atriz exótica, é como a vejo) e Cyda Moreno atuavam. Uma perfeição cênica, mesmo quando está calada. Se eu fosse jurada de algum prêmio de teatro, certamente iria brigar por ela, por uma justa indicação.

A atriz mistura-se a uma divindade, Nina Simone, mas é uma mulher negra brasileira que sofre racismo diariamente. Ela é o resumo disso tudo e um pouco mais.

Não sei o critério utilizado pelo diretor para a escolha do elenco, mas lembrei um pouco do documentário sobre o filme Cidade de Deus, onde o ator José Eduardo Barreto Conceição, que encarnou o personagem Dadinho, contou - em entrevista - como foi o teste dele na frente de uma câmera, contando sua vida. De alguma forma essa atriz levou com ela sua condição, não sei se material ou espiritual, só afirmo que os deuses do teatro entenderam a sua importância naquele palco. Quem sabe um sopro no ouvido deles, vindo da inquieta Nina.

Inclusive, a atriz está com um dos mais belos figurinos. A indumentária é desenhada por Wanderley Gomes, uma cópia fidedigna de uma das fotos em preto e branco de Nina, feito por Jack Robinson, fácil de encontrar nas redes, ou seja, até aí o teatro acolheu a atriz.

Ao lado da atriz Tati Christine (com uma voz colossal) canta Pata Pata, que quer dizer touch-touch/ toca-toca. A cena simboliza a chegada de Nina a África para encontrar Miriam Makeba.

Gente, tenho que dividir algo. Essa música todos conhecemos, mas tentar saber o nome dela foi uma incrível jornada. Eu cantava o que eu não entendia, eu escrevia um tanto de onomatopeias para tentar descobrir, mas o santo Google me abençoou e me levou a achar o nome da canção!

Coisas que só nós, críticos, entendemos! Risos...

Nesse momento elas, as atrizes, explodem dentro do Sesc. É como se os fogos do réveillon da praia de Copacabana explodissem conosco ali dentro do teatro!

Enquanto isso, o sorriso de Edio Nunes, demonstrava sua felicidade, penso que de todos nós! Foi uma grande festa, reconhecendo a linda e adorada Africa, que até hoje contribui com nossa cultura!

A música Pata Pata foi reescrita, cantada por Angelique Kidjo, durante a Covid-19, e transmitida em mais de 15 estações de rádio em países africanos. A Unicef disse que organizou o lançamento, ao jornal The Guardian. Isso para terem ideia da importância dessa música para seu país!

Detalhe que as duas, não muito satisfeitas, acabam com a plateia, trazem a canção Felling Good. Aí foi fechar o caixão! Mas não, o diretor - com o interesse de nos aniquilar de vez - leva todos ao palco, todos os artistas, e uma música africana é cantada, como um ritual.

Sabe, eu amo muito o Brasil e sinto orgulho quando olho esse acolhimento e reconhecimento à África. Embora tenha sido ferida, até hoje mostra ao mundo a sua força, seja através da arte, da tecnologia (estudem sobre isso), através de suas cores fortes, e tanto mais.

Viva a África! Viva Nina Simone!

FICHA TÉCNICA

Idealização e coordenação e produção: Cyda Moreno/ Pesquisa e dramaturgia: Joaquim Vicente/ Diretor artístico: Édio Nunes/ ELENCO: Cyda Moreno, Anna Paula Black, Fábio D'Lélis, Roberta Ribeiro, Tati Christine, Kathlen Lima (piano) e Regina Café (percussão) / Diretora de produção: Cyda Moreno/ Produção executiva e assistente de direção: Pedro Barroso/ Direção musical: Wladimir Pinheiro/ Figurinista: Wanderley Gomes/ Visagismo: Rodrigo Fuentes/ Cenografia e adereços: Doris Rollemberg/ Design de luz: Fernanda Mantovani/ Preparação vocal: Jorge Maya/ Vocal coach: Mônica Karl/ Preparação corporal: Cátia Cabral/ Músico percussionista: Regina Café/ Músico pianista: Kathleen Lima/ Assessoria de língua inglesa: Miguel Arcanjo Moreira e Arthur Freitas/ Realização: Quintal das artes, cultura & entretenimento.

SERVIÇO

Temporada: Até 8/10. De quinta a domingo, às 19h.

Peça: NINAS

Local: Sesc Copacabana / Sala Multiuso

Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 - Copacabana, Rio de Janeiro – RJ

Telefone: (21) 4020-2101

Ingressos: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia-entrada para casos previstos por Lei, estendida a professores e classe artística mediante apresentação de registro profissional), R$7,50 (credencial plena Sesc), gratuito (público cadastrado no PCG).

Duração: 90 minutos

Capacidade: 70 pessoas

Faixa etária: 14 anos







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