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Quase um mês da tragédia

Exclusivo: "Segredos de Capitólio" - empreendimentos turísticos próximos aos cânions têm como sócios familiares de político e de assessor de Ministro do TCU

Após a queda do paredão de pedras com 10 mortos, barqueiros que atuam no local denunciam uso de máquinas pesadas nas obras e desmatamento para abertura de trilhas


Sócios da Grandes Lagos Internacional Turismo, uma das empresas envolvidas na construção de um complexo turístico na região onde houve o desabamento das pedras nos cânions de Capitólio. Imagem: Arte A


Reprodução YouTube

A poucos dias de completar um mês da tragédia em Capitólio, no Sul de Minas Gerais, o Portal Eu, Rio! revela com exclusividade os nomes dos sócios das empresas envolvidas na construção do complexo turístico próximo aos cânions. Entre os responsáveis pelo empreendimento está o irmão do secretário de Habitação da Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP) e a sua sobrinha, que é engenheira da Caixa Econômica Federal, casada com o assessor especial de um ministro do Tribunal de Contas da União. Após a queda do paredão de pedras que deixou 10 mortos, no dia 8 de janeiro, barqueiros que atuam no local denunciaram ao portal o uso de maquinários pesados nas obras, além de desmatamento para abertura de trilhas.

A reportagem ainda ouviu barqueiros que trabalham no local, que revelaram que em uma área, próxima aos cânyons, estão ocorrendo intervenções com uso de equipamentos pesados e até explosivos. As obras são para a construção de um complexo turístico construído por empresas comandadas por um mesmo grupo familiar. Os barqueiros revelam ainda que o homem pilotando um jet sky, que aparece nas imagens no momento da tragédia, é agente da Prefeitura de Capitólo, que teria tentado alertar os condutores das lanchas sobre a queda da rocha.

Um dos barqueiros ouvidos denuncia que estaria ocorrendo desmatamento desenfreado na região há dois anos. As obras para a construção do complexo turístico estariam levando à abertura de trilhas com a derrubada da vegetação nativa em área de preservação ambiental, inclusive ao redor dos cânyons. Desde a tragédia, os passeios de lancha nos cânyons estão suspensos. Mas, as visitações a outros pontos turísticos da cidade estão ocorrendo normalmente, porém sem a ida aos paredões. A categoria contabiliza um enorme prejuízo.


Momento em que paredão desaba e atinge lanchas em Capitólio. Foto: Capitólio

Confissões de um barqueiro

“A Defesa Civil emitiu um alerta, mas quando emite um alerta aqui para região, ou qualquer outro estado, é para as cachoeiras. Tem também o Complexo das Capivaras, ou Vikings. Esses locais tem de ser fechados por conta da tromba d’água. É perigoso as pessoas nadando nas piscinas naturais. Agora, passeio de lancha, em período de chuva, não impedem. O Lago de Furnas é aberto e bem amplo. Não há perigo. Não é como o mar, que tem onda. A única parada que a gente faz, quando tem cachoeira, é nos cânyons. Quando está com tromba d’água, a gente entra normalmente dentro dos cânyons, mas a gente não chega próximo à cachoeira. O pessoal tira foto de longe”.

Sobre o piloto da lancha atingida, o barqueiro disse:

“O Rodrigo era um marinheiro de nível 3 na água. São poucos que têm isso aqui. A gente primeiro tira o nível 1, depois faz o nível 2 e em seguida, o nível 3. Esse é o curso da Marinha. Ele era super responsável. O barulho da cachoeira não deixa nos ouvirmos, interfere demais para a gente escutar. Às vezes, as pessoas falam comigo na lancha e eu não escuto, pois estou atento para fazer a manobra e a cachoeira está forte. A gente está na água e não tem a mesma estabilidade que um carro. O pessoal quer tirar as fotos. A capota tampa toda a nossa visão. Tem muitos motores que não obedecem, não respondem de imediato. Você põe a ré e ela demora para responder. Ou a lancha pode ter morrido”, contou o barqueiro.

A respeito das obras, ele revelou:

“Quando começaram a construir, nós do turismo aqui achamos uma maravilha, porque iria gerar empregos e é mais um atrativo. A gente, que está de fora, não sabe o que vai ser aquilo lá. Eu creio que tudo que desmata, que faz mal à natureza, vai gerar algum efeito futuramente. Eu ouvi os marinheiros dizendo que eles chegaram a colocar dinamite para implodir em alguns lugares. Para mim falta mais fiscalização e salva-vidas em paradas para banho”, disse o barqueiro.

Segundo o geólogo Francisco Dourado, professor associado à Faculdade de Geologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), não é comum a queda de blocos e rochas. Ele explica como é o processo na natureza.

“Naquela região, a queda de blocos é um processo natural. Não é comum uma queda constante, mas sim de forma aleatória. Às vezes é causado pelo aumento da quantidade de ventos, ou uma mudança brusca de temperatura, mas não é frequente. A erosão tem importância fundamental na formação do cânyon. Outro fator é a elevação da pressão exercida pela água dentro de cada fratura daquelas. O aumento de chuvas com certeza contribui para a elevação do volume de água”, explica. Dourado fez uma avaliação da área com base em imagens aéreas do local e não encontrou indícios de uso de maquinário pesado na região.

Entre as empresas envolvidas na construção de um complexo turístico na área está a Canyons de Minas, que tem como sócios João Victor Queiroz Karan, Marina Abukater, Adriane Abukater e Andreia Abukater Olkowski. A empresa foi aberta em 2018. No ano seguinte, o mesmo grupo empresarial registrou na Receita Federal outra companhia com o mesmo nome, mas de CNPJ diferente. Esta nova empresa está sendo investigada desde abril do ano passado, em inquérito civil da 2ª Promotoria de Justiça de Minas Gerais, por suposto crime ambiental.

Em 2019, João Victor Queiroz Karan e Andreia Abukater registraram a Tuna Parque Aquático Canyons de Capitólio, com sede em Capitólio/MG. Em 2018, Jorge Abukater, João Vitor e a empresa Abukater e Abukater Participações e Empreendimentos, que tem como sócios o próprio Jorge, Maura Teodora de Oliveira Abukater, Adriane Abukater, Marina Abukater e Andreia Abukater, registraram a marca Aksi Empreendimentos e Participações, especializada no mercado imobiliário.

As movimentações de CNPJ entre familiares tiveram início bem antes do empreendimento em Capitólio ser anunciado. A empresa Grandes Lagos Internacional Turismo foi aberta em 2007. Em seu quadro de sócios figuram os nomes de Jorge, Maura, Adriane, Marina e Andreia. Já em 2008, Jorge e a Abukater e Abukater Participações e Empreendimentos abriram uma nova sociedade, a A2 Empreendimentos Administração e Participações, com atuação na área de engenharia e construção civil. Em dezembro de 2019, a Polícia Militar do Meio Ambiente do município de Frutal, em Minas Gerais, registrou uma ocorrência contra a A2 Empreendimentos por crime ambiental. A companhia está sendo investigada por corte sem autorização de seis árvores de preservação ambiental. O desmatamento foi para dar lugar a construção do conjunto Marina Náutico Residence. O MP-MG notificou Jorge Abukater, determinando que a empresa deveria plantar novas árvores em área de preservação ambiental dentro do próprio loteamento, prevendo multa diária em caso de descumprimento.

O grupo empresarial tem ainda a empresa Boa Esperança Empreendimentos, aberta em 2016. Em 2021, surge a Queiroz Spaggiari e Moraes Consultoria Agroindustrial Ltda. Três dados nas inscrições das empresas chamam atenção por serem idênticos: endereço de email, localização e número de telefone.

João Abukater, irmão de Jorge Abukater, teve o nome indicado pelo então presidente Michel Temer, em 2017, para ocupar cargo de diretor da Anvisa. Já a sócia Andreia Abukater é filha de Jorge e atua como engenheira civil na Caixa Econômica Federal. Andréia é casada com Gustavo Ferreira, auditor do Tribunal de Contas da União e assessor de confiança do ex-deputado Augusto Nader, filiado ao antigo PR (atual PL), atualmente ministro do TCU. O nome dele esteve envolvido em duas operações da Polícia Federal: a Operação Zelotes e a Lava Jato. Nardes se destacou como relator das contas de Dilma Rousseff, em 2015, apontando as “pedaladas fiscais”, que culminou com o impeachment da então presidenta, em 2016. No ano passado, ele esteve em Capitólio, a convite da prefeitura local, para falar sobre governança.

O que dizem os citados

A Polícia Civil de Minas Gerais informou que as investigações estão em andamento. Vinte pessoas, incluindo vítimas e testemunhas, já prestaram depoimento. A Marinha do Brasil não respondeu aos nossos questionamentos. Entramos em contato com o gabinete do ministro Augusto Nardes. Questionamos se sua gestão tem conhecimento da ligação dos empreendimentos de sua mulher e do sócio dela com o município de Capitólio. Nenhuma das perguntas foi respondida pelo gabinete do ministro. Procuramos o auditor do TCU Gustavo Ferreira Olkowski e a sua mulher Andréia. O casal não retornou aos nossos e-mails.

A Secretaria Municipal de Habitação de São Bernardo do Campo e o secretário João Abukater Neto também não deram retorno. O secretário de Turismo de Capitólio, Lucas Arantes, esclareceu as circunstâncias envolvendo o desmoronamento da rocha. Segundo ele, no dia da tragédia não houve registro de cabeça d’água. Informou que a Polícia Civil está investigando se há relação entre o ocorrido e as obras no local. Lucas nega saber de uso de explosivos e equipamentos pesados. O secretário afirma que o Parque Mirante dos Cânyons entrou com pedido de alvará de localização da prefeitura, seguindo os processos legais para a instalação da empresa no município. O secretário confirma que a prefeitura conta com agentes de fiscalização treinados pela Marinha para atuarem no Lago de Furnas.

Ao empresário João Victor Queiroz Karan pedimos esclarecimentos sobre as denúncias de desmatamento e uso de equipamentos pesados próximos aos cânyons e sobre a ação de crime ambiental impetrada pelo Ministério Público de Minas Gerais. Ele nos informou, através de sua secretária, que a empresa deve emitir na próxima semana uma nota oficial sobre os laudos geológicos que estão sendo feitos pela sua própria empresa e pela Justiça na área dos cânyons. Na primeira nota emitida pelo grupo empresarial, nos dias seguintes à tragédia, a empresa nega o uso de técnicas invasivas no local, como bate estaca e explosivos.

Tentamos falar com os sócios Jorge Abukater, Marina Abukater, Adriane Abukater e Maura Teodora, através de suas empresas, mas não obtivemos retorno.



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