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Número de traficantes no Estado pode ser quatro vezes maior que o de policiais militares

Estudos apresentados por coletivo e dados da PM mostram a disparidade entre tráfico e a lei

Por Jonas Feliciano em 16/04/2019 às 13:26:10

Foto: Divulgação Pista News

Entre agosto de 2018 e abril de 2019, um mapeamento realizado pelo coletivo Pista News revelou dados sobre a quantidade de traficantes, tipos de armas utilizadas e pontos de vendas de drogas em 17 comunidades do município do Rio de Janeiro. A pesquisa repassada ao portal Eu,Rio!, reúne dados demográficos detalhados que identificaram desde o quantitativo de homens a serviço do crime, em cada localidade, até os modelos de armas mais vistos pelos agentes do coletivo.

Segundo o relatório, são cerca 2.585 traficantes distribuídos por estas regiões dominadas por quatro facções criminosas: Comando Vermelho (CV), Amigo dos Amigos (ADA), Terceiro Comando Puro (TCP) e 5M (Milicianos). Em uma conta simples, dividindo 2.585 por 17, teremos pouco mais de 150 traficantes por comunidade. Levando em consideração que há mais de 1,3 mil comunidades no Estado e se baixarmos a média de traficantes por favela para 80 (já que há comunidades com muito mais de 150 homens e outras com menos de 100), teríamos aproximadamente 110 mil traficantes espalhados pelo Estado.

Atualmente, de acordo com a assessoria de comunicação da Polícia Militar do estado, existem cerca de 43.800 policiais compondo o contingente da instituição. Mas 16 mil estão afastados das ruas, seja administrativamente ou por licença. Logo, temos 27,8 mil nas ruas. Uma média de quase quatro traficantes por militar.

"Há uma pirâmide que engloba desde aqueles que não usam armas, mas que ajudam na economia do tráfico. Aqueles que endolam, vendem as drogas, monitoram a chegada dos policiais, até os que ficam na frente da batalha, com fuzis. Levando em consideração que há três categorias de comunidades, umas menores, entre 20 e 50 traficantes, até as maiores, que podem passar de 300, podemos dizer que a média de bandidos atuando diariamente no crime, pois eles não têm folga, chega a mais ou menos 80 e 100 mil traficantes", relata o ex-capitão do BOPE, Paulo Storani.

O Pista News, grupo que por questões de segurança prefere não se identificar, é composto por aproximadamente 25 pessoas e tem como principal objetivo diminuir o número de vítimas da violência ligada ao tráfico, além de promover a conscientização dos jovens que estão expostos à criminalidade.

Diariamente, colaboradores com diversas formações buscam juntar dados que são informados as autoridades e transformados em conteúdo para um canal no Youtube. Por meio de uma investigação exploratória e descritiva, os responsáveis pelo mapeamento também foram submetidos a um treinamento que viabilizou o reconhecimento dos armamentos.

A seguir, listamos todas as 17 comunidades visitadas pelo Pista News. Confira:

Jacarezinho

Localizada na Zona Norte da capital carioca, a comunidade possui uma média de 13 pontos de "bocas de fumo". Os traficantes se dividem por turno e, em média, são de 5 a 7 homens por cada horário. O coletivo também estipulou um quantitativo de 200 traficantes na região.

Entre os armamentos mais vistos durante o mapeamento estão o Fuzil Automático Leve, AK-47, AK-Pistol, Fuzil AR, M-16, Glock Rajada, Browming M1919, Grandas e Rádio Comunicador Motorola EP450S.

Vila Aliança

A comunidade fica na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Os grupos de traficantes da região estão divididos em números que variam de 6 a 8 homens totalizando de 100 a 200 traficantes.

Os armamentos mais vistos foram o Fuzil Automático Leve, AK-47, AK-Pistol, Fuzil AR-10 Camuflado Verde, Glock Rajada, Browming M1919.30, AK-74 e o G3.

Senador Camará

Também na Zona Oeste do Rio, Senador Camará possui um número estimado de 150 a 200 traficantes. Comumente, os grupos são divididos de 5 a 8 homens. Entre os armamentos que compõem a artilharia dos criminosos estão o Fuzil Automático Leve, Fuzil na Plataforma AR, Ah-47, G3, AK-74, MK-14, Browming M1919.30, Taurus ST12 e a Glock Rajada.

Serrinha

Nos últimos anos a comunidade da Serrinha, no bairro de Madureira, na Zona Norte, tem se mostrado umas das mais perigosas do Rio de Janeiro. Os grupos são compostos de 4 a 7 homens e a quantidade estimada de traficantes pode chegar a 200.

Em relação ao uso de armas, as mais vistas foram o Fuzil Automático Leve, G3, AK-74, AR-10, M4A1 e o AK-47.

Nova Holanda

Esta é uma das regiões com o maior número de traficantes do município. A estimativa é de 350 a 450 criminosos que utilizam armas como o AK-47, AR-10, AR-15, Fuzil Automático Leve e a AK-Pistol.

B2 de Del Castilho

A B2 também está na Zona Norte. De acordo com o mapeamento do PN, possui 55 a 70 traficantes. Durante as investigações foram vistos armamentos como AK-47, AR-10, AR-10 Pente Duplo, granadas, explosivos, Glock Rajada, Taurus 24/7 e rádios Motorola EP450.

Parque União

De 135 a 150 homens compõem o grupo da comunidade. Eles estão armados com AK-47, AR-10, AR-15, Fuzil Automático Leve, HK-G3 e M-16.

Baixa do Sapateiro e Timbau

Cerca de 200 criminosos dominam a região. Uma artilharia potente garante a segurança do grupo. Entre os armamentos identificados pela equipe do coletivo estão o AK-47, AK-S, AR-10, AR-15, HK-G3, Fuzil Automático Leve, AK-Pistol, Glock Rajada, Glock Adaptada, Colt, M-16, Coletes, Mk-14, Imbel IA2 e coletes à prova de balas que são utilizados pelo BOPE.

Complexo do Sapão

A comunidade de Itaguaí possui uma estimativa de 165 traficantes. Nas investigações foram identificadas a utilização da Glock Rajada, de granadas, SIG Sauer 552, M4, Colt, rádios Baofeng BF777 e do AK-47.

Morro do Chapadão

Na região, de 180 a 200 homens estão envolvidos com o tráfico local. Eles estão armados com Glock Rajada, Glock com pente de 50, AR-10, AR-15, M4, Colt, AK-47, AK-47 com pente estendido, AK-Pistol e o Fuzil Leve Automático.

Vila do João

A Vila do João, às margens da Avenida Brasil, possui de 80 a 110 traficantes. Entre as principais armas vistas com os criminosos estão o Fuzil Leve Automático, AR-10, Glock Rajada, AK-Pistol, AK-47, HK-G3 e o M4-A1.

Pinheiros

A quantidade de traficantes da comunidade varia de 95 a 125 indivíduos. O AR-10, a Glock Rajada, o AK-Pistol, o AK-S, AR-15, o Fuzil Leve Automático, o AK-47, a M-16, o Colt e o HK-G3 fazem parte da artilharia identificada pela pesquisa do PN.

Torre do Chapadão

Entre 55 a 65 homens estão compõem o exército do tráfico no local. As armas mais usadas são o Fuzil Automático Leve, 38mm, Glock, AR-15, AR-10, Taurus 24/7, Taurus 838, M4, Colt e o Desert Pistol.

Comunidade da Light

Na região de Realengo, a comunidade tem uma estimativa de 25 a 35 traficantes. De certa forma, é uma das menores listadas pelo relatório do Pista News, bem como, também possui o poder de fogo mais fraco. Entre as armadas identificadas nas mãos do grupo estão a Glock, Colt, Taurus 24/7 e a Taurus 838.

Vila Kennedy

Considerada uma das comunidades com a maior concentração de traficantes, a localidade possui 12 pontos de vendas de entorpecentes e um exército estimado entre 150 a 170 criminosos. A artilharia é pesada. Nas investigações foram vistas pistolas, Glock, M4, AR-10, HK-G3, Colt, AK-47, Fuzil Automático Leve, Taurus 24/7, Ak-Pistol, AK-S, Metralhadora .50 e uma Bazuca que pode ser réplica.

Favela do Rodo

Até dezembro de 2018 era controlada pelo Comando Vermelho quando foi tomada pelas milícias.

Tinha entre 100 e 120 criminosos. No mapeamento, foram vistos Glock, HK-G3, Fuzil Automático Leve, AK-S, AK-47, AK-Pistol, .30, .50, M4 e M16.

Com a invasão, parte desses armamentos foi para o Juramento e para o CPX da PH.

"Polícia que anda com fuzil é polícia que perdeu a guerra"

Sem dúvidas, os índices e a constatação do poder de fogo das facções são preocupantes tanto para a população quanto para as autoridades. Contudo, segundo Sandro Araújo, especialista em segurança pública e vereador do município de Niterói, todos os dados identificados pela pesquisa são facilitados pela deficiência no controle de fronteiras, das entradas nos aeroportos e portos.

"A Baía de Guanabara, por exemplo, não tem controle sobre o contrabando de armas. Hoje, um indivíduo desembarca em qualquer lugar do Brasil sem ser incomodado. Obviamente, essas pessoas precisam de uma logística para distribuírem as armas. É neste contexto que, infelizmente, está a conivência de alguns agentes públicos de diversos setores. Afinal, não é fácil transitar pela cidade com um carregamento de armas. Não resta dúvida de um acordo entre esses agentes e os criminosos. De fato, a deficiência é estrutural.e muitas vezes proposital", afirma o especialista.

Sandro também reforça que a política de segurança no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro é de ocupação territorial de comunidades conflagradas, desfavorecidas e marginalizadas desde o século XIX. Para ele, desta maneira, não há como chegar na linha final, aonde estão os fuzis, e querer dar um jeito na situação.

"É preciso evitar que as armas cheguem até as mãos dos infratores. Não adianta fazer intervenção militar com foco nas comunidades dominadas pelo crime organizado e esquecer das fronteiras estaduais. É necessários cuidar de todas as fronteiras. As marítimas, as aéreas e as terrestres, pois Apenas um tentáculo dessas organizações está no tráfico de drogas. Hoje em dia, tudo é mais sofisticado. A venda de entorpecentes é somente um braço do sistema. Isso porque, muitos chefes de facção também estão diversificando os seus negócios. A política de segurança no nosso estado não existe. Ela é meramente reativa. Vive de comprar viaturas que nem um plano de mobilidade urbana possuem. Polícia que anda de fuzil é uma polícia que já perdeu a guerra. Precisamos evitar que o bandido ande de fuzil", destacou Sandro.

O estado é parte do conflito

Segundo a antropóloga Sabrina Souza, para a antropologia, o conceito de comunidade é muito amplo. Contudo, no contexto em questão, o tráfico aparece de maneira mais pública e armada. Sendo assim, ser traficante se configura como um status diferenciado. Para muitos, é uma demonstração de poder. Desse modo, jovens nativos acabam buscando por esse poder e fazem deste caminho uma escolha.

"Na maioria das favelas cariocas, as opções são limitadas. As escolas são de baixa qualidade, quase não se tem serviços públicos para que seus moradores tenham acesso a um estado de bem estar social razoável. Por tais motivos, em conjunto com o que o sociólogo chamado Antônio Machado da Silva chamou de sociabilidade violenta, a opção de entrar para o tráfico de drogas se transforma em uma opção financeira e de construção de status. Porém, não é somente o tráfico em si, pois ele está presente em regiões em que moram pessoas de alto poder aquisitivo. O mais grave é o tráfico de drogas armado e violento", explicou a antropóloga.

Ela ainda relembra que o estado é parte do conflito. Sendo assim, ele acaba sendo presente nas comunidades, principalmente, com políticas de segurança pública violentas. Geralmente, a população das favelas é considerada como inimiga.

"O poder público utiliza o seu poder para extorquir traficantes e, muitas vezes, para manter o poder do tráfico no local. Não existe uma preocupação estatal na elucidação dos crimes. Ninguém no Rio de Janeiro investiga o tráfico de armas. Sempre que vemos grandes apreensões elas parecem ter ocorrido por acaso. Como essas armas chegam nas favelas? Provavelmente, não é o jovem morador desses lugares que faz esse tráfico", afirmou Sabrina.

Sabrina acredita que o tráfico é uma opção possível porque é mais difícil se você é jovem e não consegue uma matrícula na escola, por exemplo, ou.sonhar com outras soluções para ganhar dinheiro e status.

"Neste ano, 20 mil jovens não conseguiram se matricular em uma escola. O que eles vão fazer? Vão trabalhar ou será que vão ficar no celular o dia inteiro? Esses jovens poderão sonhar em um dia ganhar algum status como médicos ou engenheiros? Claro que a cultura da classe trabalhadora também está enraizada nessa população. A grande maioria vai ter orgulho de ter se transformado em trabalhador, mesmo tendo a opção de virar bandido. Porém, não serão todos que ficarão felizes em encarar horas de transporte público de péssima qualidade, para realizar um trabalho que não os deixa felizes, só pelo orgulho de se dizer trabalhador. Não a toa, essas pessoas vão ter a facilidade do acesso a um mercado de trabalho ilegal e violento. Isso pode lhes dar uma vida curta, mas também oferece um pouco mais de prazer e conforto", concluiu.

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