Artifício do recomeço
Menina Aleatória, Por Anna Domingues, Escritora
A virada do ano é sempre um paradoxo. Chega com o combo das promessas. Mas, se a gente for olhar com mais calma, o que muda de fato? A resposta é simples: nada. E, ao mesmo tempo, tudo. Porque é claro que, na prática, o mundo continua girando da mesma forma, os dias seguem se sucedendo e os problemas continuam ali, como se fossem velhos amigos insistentes ou um chiclete grudado no sapato. Mas na nossa cabeça, ah, na nossa cabeça, a virada é um corte nítido. É o momento exato em que acreditamos que o que passou ficou para trás, e o que está por vir, é uma página em branco, pronta para ser preenchida com novas histórias. Mas fala sério, é até bom acreditar nisso: o que seria de nós sem a esperança?
Naquela contagem regressiva, entre o "dez" e o "um", tudo parece possível. Um ano inteiro se acaba, e é como se a gente tivesse a chance de recomeçar. Não importa o quanto a gente tenha tentado mudar nos 364 dias anteriores, a virada é um instante mágico, quase ritualístico, que nos dá a sensação de que, agora sim, vamos ser diferentes. Vamos ser melhores. Vamos fazer tudo certo. As resoluções de ano novo surgem como uma lista mental, cheia de desejos e promessas que, na maioria das vezes, duram menos do que o brilho dos fogos de artifício. Mas, e daí? O importante é a crença. A confiança. O fato de que, pelo menos naquele momento, sentimos que tudo é possível.
E como não falar da festa? Da roupa branca, das luzes, do brilho nos olhos de quem acredita que a vida vai mudar na companhia de uma trilha sonora impecável? A gente faz de tudo para criar um cenário perfeito, como se fosse necessário um espetáculo visual para justificar a importância do momento. E sim, é importante. Mesmo que, no fundo, a gente saiba que o calendário não tem mágica. Não é um simples ato de virar a página que vai transformar o nosso ano. Mas, naquele instante, acreditamos. E isso, por si só, já é motivo suficiente para continuar.
O fim de ano também é aquele momento de reflexão. Reflexão de meia boca, é verdade. A gente pensa em tudo o que poderia ter feito e não fez. Tudo o que prometeu e não cumpriu. Mas é uma reflexão leve, de quem está só esperando o próximo capítulo. Como se a gente estivesse num filme de sessão da tarde, que nunca acaba e sempre tem um final feliz. Vamos começar de novo, com o sorriso largo e o coração leve, acreditando que, dessa vez, tudo será diferente.
Talvez o segredo seja não esperar que o novo ano traga todas as respostas. Talvez seja só seguir, de alguma forma, acreditando que a gente vai dar conta. E que, no final, o que importa não é o que você deixou de fazer, mas o que você ainda tem por fazer. Porque a vida nunca para. O calendário, sim. Mas nós, com nossas pequenas frustrações e nossas grandes vontades, seguimos. A cada dia, a cada passo.
O curioso é que, logo depois do brinde, quando os fogos cessam e as ruas começam a se esvaziar, a gente percebe que a virada do ano não é só sobre o que deixamos para trás ou o que esperamos do futuro. Ela é, talvez, sobre a gente se permitir a renovação, ainda que seja apenas por um breve momento. E no fim das contas, o ano novo é só uma desculpa para recomeçar, se reinventar, e, quem sabe, errar um pouco mais. Porque, como dizem por aí, a vida é feita de tentativas. E a cada fim de ano, nos damos mais uma chance de tentar novamente. Mesmo que a gente saiba que, no fundo, o novo ano é só mais um ano. Mas quem se importa? Vamos continuar tentando.
Até 2025!
@portal.eurio
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